tag:blogger.com,1999:blog-67711418587363750662024-02-06T23:05:45.304-03:00Antropologia do Direito UFFA disciplina pretende compreender criticamente as práticas jurídicas, desnudando-as de sua aparente solidez e analisando o Direito como prática social. Este Blog tem por objetivo informar, debater e tirar dúvidas dos estudantes de Antropologia do Direito da Universidade Federal Fluminense e interessados.Túlio Francohttp://www.blogger.com/profile/07828034784140632189noreply@blogger.comBlogger16125tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-88110064376791629022011-11-22T09:41:00.001-02:002011-11-22T09:54:20.556-02:00Processos judiciais como fonte de dados: poder e interpretação<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjo5QyfBD_sZEKMs-oh5El-FLCw2K3YQknoz_C4rx69PGeanGpw3i5HPXSQOq8BGj4s65WxMCdyPDqpVDcAF_WD1NPjB40r9JDUKDkiQO6Chl6OS8md0Ybx_Bt0B9VBYlcCz8GmoLPE6OYJ/s1600/thc___the_root_of_power_by_takemetoanotherplace-d2wbfsw.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjo5QyfBD_sZEKMs-oh5El-FLCw2K3YQknoz_C4rx69PGeanGpw3i5HPXSQOq8BGj4s65WxMCdyPDqpVDcAF_WD1NPjB40r9JDUKDkiQO6Chl6OS8md0Ybx_Bt0B9VBYlcCz8GmoLPE6OYJ/s400/thc___the_root_of_power_by_takemetoanotherplace-d2wbfsw.jpg" width="400" /></a></div>
<h3 style="background-color: white; text-align: left;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana, arial; font-size: xx-small; font-weight: normal;">(Originalmente este artigo fora publicado em 2005 na revista "Sociologias")</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana, arial; font-size: xx-small; font-weight: normal;"> </span></h3>
<h3 style="background-color: white; text-align: left;">
<b style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">Fabiana Luci de Oliveira<sup>I</sup>; Virgínia Ferreira da Silva<sup>II</sup></span></b></h3>
<div class="index,pt" style="background-color: white;">
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<span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><sup style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">I</sup><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Doutora em Ciências Sociais pela UFSCar. Endereço eletrônico:</span><a href="mailto:luci_fabiana@yahoo.com" style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">luci_fabiana@yahoo.com</a><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"> </span></span></div>
</div>
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><sup>II</sup><span class="Apple-style-span">Doutora em Antropologia pela UFRJ. Endereço eletrônico:</span><a href="mailto:virginiafes@hotmail.com">virginiafes@hotmail.com</a></span></div>
</div>
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">
</span><br />
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<br /></div>
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<br /></div>
<hr noshade="" size="1" style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;" />
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: VERDANA, ARIAL, HELVETICA, sans-serif;"><b>RESUMO</b></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O artigo discute, a partir da experiência de pesquisa das autoras com processos criminais e constitucionais, a utilização de processos judiciais como fonte de dados, focalizando em duas implicações metodológicas principais, a questão do poder e a questão da interpretação. Abordando os processos judiciais como narrativas, demonstra-se como é possível discorrer sobre a construção do discurso empreendido por determinados grupos sociais envolvidos nesses processos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Palavras-chave:</b> processos judiciais, poder, interpretação, narrativa.</span></div>
<hr noshade="" size="1" style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;" />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<b style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica-Normal, sans-serif;">Introdução</b></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Diferentes processos judiciais podem servir a diferentes tipos de pesquisa, sendo possível extrair deles análises variadas sobre grupos sociais diversos. Mas essas diferentes pesquisas têm em comum o fato de trabalharem com a interpretação da palavra escrita a fim de discorrer sobre a construção do discurso empreendido por determinados grupos sociais. Aqui vamos discutir algumas das implicações da utilização de processos judiciais a partir da experiência que tivemos em duas pesquisas diferentes: uma delas trabalha com processos criminais do fim do século XIX,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top1"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext#back1"><sup>1</sup></a> a outra, com processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal entre o final do século XX e o começo do século XXI.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top2"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext#back2"><sup>2</sup></a> No primeiro caso, os grupos sociais focalizados são segmentos populares, imigrantes italianos e negros; no segundo, membros da elite política e jurídica do país. O artigo pretende ater-se à parte metodológica, não se detendo nas particularidades das pesquisas.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Se quisermos classificar o tipo de pesquisa feita a partir da utilização de processos judiciais, a primeira definição é a de pesquisa documental. Processos são documentos históricos e oficiais, e o trabalho com esses documentos traz, ao menos, duas implicações metodológicas: a questão do poder e a da interpretação. Estes questionamentos surgem principalmente quando se trabalha qualitativamente com os dados, quando a preocupação está em buscar a lógica e os códigos que estão informando as palavras para inferir sobre grupos sociais específicos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Como se trata de um documento oficial, a questão do poder aparece porque o Estado pode ser considerado o verdadeiro produtor do que está escrito, encobrindo a expressão de qualquer grupo social que esteja contida no documento em forma de um depoimento, por exemplo, ou mesmo na argumentação do juiz que, além de membro de um dos poderes do Estado também pode ser visto como membro de uma corporação profissional.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top3"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext#back3"><sup>3</sup></a> Já a questão da interpretação surge porque estamos trabalhando com o que está escrito e não, com o acontecimento em si, ou ainda porque não estamos interpretando por meio da observação direta, mas por meio da palavra escrita, e isto é fonte de inúmeros questionamentos, que envolvem a questão da subjetividade.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes de entrarmos nestas questões uma observação se faz necessária. O primeiro passo a ser dado em qualquer tipo de pesquisa é a definição precisa do objetivo, das questões que se quer responder. O interesse do investigador deve estar claro, bem discriminado, uma vez que a parte metodológica só poderá fazer sentido, se adequada aos objetivos e preocupações propostos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Definido o objetivo, dependendo do que a pesquisa propõe, os dados disponíveis podem ser trabalhados de formas diferentes, podem tanto ser quantitativa como qualitativamente analisados. Não se quer aqui ressaltar a superioridade de um ou outro método de pesquisa social, e vale lembrar a frase de Howard Becker, que trata a compreensão científica analogamente às peças de um mosaico. <i>"Diferentes fragmentos contribuem diferentemente para a nossa compreensão: alguns são úteis por sua cor, outros porque realçam os contornos de um objeto. Nenhuma das peças tem uma função maior a cumprir"</i> (Becker, 1993, p. 104).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A análise quantitativa pode propiciar não só uma "quantificação" de ocorrências – como quantidade de absolvições segundo o tipo de crime ou raça (no caso de processos criminais) ou quantidade de processos deferidos de acordo com o objeto da lei questionada ou de acordo com sua origem (no caso dos processos do STF) – como também uma análise mais sofisticada, trazendo à luz importantes relações entre os diversos atores e tópicos envolvidos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas, como os questionamentos apontados anteriormente para discussão referem-se mais ao trabalho qualitativo que pode ser desenvolvido por meio das fontes documentais, será nele que vamos concentrar-nos. Optamos por trabalhar assim com as implicações da análise qualitativa, da análise que busca ações e associações feitas pelos agentes que têm sua fala registrada no processo. A preocupação está, então, na apreensão dos valores, regras e condutas que entram em jogo na luta simbólica em que estão envolvidas as representações do mundo social.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">À medida que se atribui importância às interpretações que as pessoas fazem a respeito de um acontecimento ou assunto, isto implica um estudo mais particular, que entre em contato com especificidades, com o que é heterogêneo. Retomando o que foi posto por Bourdieu (1999), aqui se compreende que os sujeitos podem não deter a verdade objetiva de seu comportamento e que o discurso não é propriamente a explicação do comportamento. Mas, conforme está sendo visto, importam mais as interpretações que as pessoas fazem para explicar um comportamento ou posição diante de um fato.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, mesmo que o discurso seja também um aspecto do comportamento a ser explicado, o que certamente poderá ser feito a partir de uma construção teórica, entender a lógica de sua construção pode dizer-nos algo do que o grupo é. Especialmente porque nestes discursos encontramos representações sociais que podem mostrar-nos o modo como o grupo representa a si mesmo. Uma teoria estatística poderia indicar a presença e a circulação de representações, mas certamente pouco indicaria a respeito do que elas são para as pessoas que as empregam.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Pode-se dizer que a percepção do mundo depende em grande parte do que Bourdieu (1990) chama de <i>habitus</i>, ou seja, a internalização da estrutura que a pessoa experimenta e que faz com que as coisas não se apresentem a ela de maneira independente; há um modo de percepção dado pelo saber adquirido, que indica uma disposição incorporada. A verdade acaba sendo dada muito mais na compreensão das coisas do que nelas próprias.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Desta forma, mesmo que os discursos não detenham a verdade objetiva do comportamento, mesmo que não se veja neles a explicação do comportamento, mas sim um comportamento a ser explicado, a análise qualitativa das narrativas dos processos permite evidenciar o modo como as pessoas percebem elas mesmas e os outros, definindo-se e posicionando-se no espaço social. </span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Mesmo que o discurso não seja considerado explicação para o comportamento, ele permite a percepção do que está informando a ação e o posicionamento das pessoas enfocadas.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica-Normal, sans-serif;"><b>A questão do poder</b></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Processos judiciais são documentos escritos, documentos oficiais, portanto implicam a utilização de uma linguagem específica e esta linguagem implica poder.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A linguagem, na acepção de Bourdieu (1996), é um instrumento de ação e de poder. O discurso, portanto, deve ser compreendido num sistema de trocas simbólicas, no qual dispõe de um valor e de um poder (capital lingüístico) inseparável da posição que o seu locutor ocupa na estrutura social. Para se efetivar, ele supõe a existência de um emissor legítimo que se dirige a um receptor legítimo e "legitimador" deste discurso (Bourdieu, 1996, p. 83).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesta perspectiva, pensando a manifestação dos juízes nos processos, pode-se dizer que cada um deles tem o "poder de falar e agir em nome do grupo"<i>,</i> tem o poder de produzir o discurso da corporação, pelo qual e no qual ela vai ser reconhecida, expressando, com isto, a ideologia dominante no grupo. Ainda segundo Bourdieu (1990), a linguagem do Direito é a da retórica da autonomia, da impessoalidade, da neutralidade e da universalidade.</span></div>
<blockquote style="font-family: verdana, arial;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais como o predomínio de construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para constituir o enunciador em sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo. O efeito da universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas, o emprego (...) de verbos atestivos na terceira pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto realizado; (...) o uso de indefinidos ("todo o condenado") e do presente intemporal </i>–<i> ou do futuro jurídico </i>–<i> próprios para exprimirem a generalidade e a omnitemporalidade da regra do direito: a referência a valores transubjectivos que pressupõem a existência de um consenso ético (por exemplo, "como bom pai de família"); o recurso de fórmulas lapidares e a formas fixas, deixando pouco lugar às variações individuais</i> (Bourdieu, 1990, p. 215-216).</span></div>
</blockquote>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">No caso dos processos criminais em que, além da fala do juiz, aparecem os depoimentos, é possível perceber as falas das testemunhas, a forma como constroem e organizam esses depoimentos. Como são pessoas comuns diante de uma instância de poder, pode-se questionar que a Justiça seria a verdadeira produtora das narrativas, não sendo possível apreender, por meio dos discursos das testemunhas, vítimas ou réus, uma lógica que diga respeito a um grupo social específico, já que sua fala estaria sendo filtrada pela Justiça: juízes, promotores e escrivãos. E este é um aspecto bastante enfatizado quando se trabalha com processos jurídicos, de que o que há nesses processos é o Estado falando, e todos os discursos do processo estariam mais propriamente sendo proferidos por ele. Expressariam, desse modo, o Estado exercendo o controle da sociedade por meio da produção de uma verdade. No caso dos processos criminais, a Justiça não constituiria apenas um filtro para a fala dos agentes sociais enfocados, mas seria a própria emissora do que lá está dito (Maggie, 1992, p. 85).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Isto faz com que qualquer grupo social estudado, seja ele popular ou mesmo uma elite constituinte desse Estado, perca a possibilidade de distinção enquanto grupo específico, por estarem eles diante de ou inseridos numa instituição que domina e produz a verdade por meio de seus instrumentos. Deve-se, sem dúvida, considerar a existência de uma ordem dominante que, por meio das elites produtoras de discursos, difunde uma série de representações e imagens amparadas por uma ordenação sociopolítica impressa em leis e instituições.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas há o modo de usar esta ordem dominante, o uso que os meios "populares" fazem dela. E, mesmo quando se trata de um grupo inserido no Estado, como é o caso dos ministros do STF, é possível perceber expressões que tentam ir contra essa ordem. Inúmeras vezes os ministros em seus votos procuram posicionar-se contra uma lei vigente ou contra interpretação corrente do direito, a fim de transformá-la. O fato é que os juizes não são atores neutros, ou meros porta-vozes do discurso oficial do Estado. Seus valores influenciam a sua atuação, e esta afirmação é praticamente um consenso, aparecendo até mesmo nos debates que os ministros travam durante os julgamentos, como por exemplo, na Ação direta de Inconstitucionalidade número 171, quando um dos ministros, Francisco Rezek, afirma que <i>"a análise desse problema, com toda a sua possível tecnicalidade, tem essencialmente a ver com a posição ideológica de cada um de nós a respeito do tema substancial"</i> (acórdão da ADIN 171,1993, p. 30).<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top4"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext#back4"><sup>4</sup></a></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Não existe o discurso "uno" do poder, de um lado e, em face dele, um outro contraposto. Os discursos são blocos táticos num campo das correlações de força; <i>"podem existir discursos diferentes e mesmo contraditórios dentro de uma mesma estratégia; podem ao contrário, circular sem mudar de forma entre estratégias opostas"</i>(Foucault, 1985, p. 96-97, <i>apud</i> Maggie, 1992, p. 87).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Ao narrar sua interpretação sobre um caso, parece evidente que o depoente estará usando determinadas associações, valores, preconceitos e estigmas e que isto, de algum modo, estará registrado no processo. E no caso do discurso dos juízes, é possível perceber, ainda por trás dos efeitos da retórica da autonomia, impessoalidade e universalidade, que suas falas expressam um grupo social que também opera uma série de representações próprias e que tem especificidades de acordo com a trajetória de carreira de cada um.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Existe uma pluralidade de discursos, e, se não existe o discurso do poder de um lado, e de outro, seu contraposto, o que existem são discursos não homogêneos – embora alguns venham sendo mais hegemônicos que outros.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Mais hegemônicos porque consideramos que os processos judiciais são produzidos em um campo especifico – o campo jurídico – num espaço especifico – nos tribunais – e que cada agente ocupa uma posição fixada a priori nesse espaço, segundo a distribuição desigual de capital (social, econômico, político, cultural, simbólico). A partir de suas posições, os agentes vão travar lutas concorrenciais entre si, em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão. </span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Nessas lutas, o que está em jogo é o monopólio da violência simbólica legítima, ou seja, o poder de impor nomeações, de impor "princípios de visão e de di-visão do mundo" (Bourdieu, 1990).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora o juiz seja a figura que vai "ordenar" os diversos discursos, na medida em que tem o poder de posse da palavra, é possível apreender a fala de outros grupos, das partes do processo e, no caso dos processos criminais, das testemunhas, a partir de seus depoimentos. Como já colocado, o que existe é um campo de lutas em movimento, e isto se reflete nas ações e reações dos agentes que lutam pela melhor definição de sua posição (Bourdieu, 1990, p. 82 e 85). As representações estão inseridas nesta interação instituída cotidianamente entre grupos definidos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A fala dos atores e suas interpretações do evento variam segundo o grupo ao qual a pessoa pertence. Devemos insistir aqui na questão das representações e categorias do discurso porque não há realidade social que seja pré-discursiva. Não há nada que seja anterior às categorias discursivas, e da mesma forma, as representações são anteriores a qualquer coisa que possa existir, sendo, assim, fundamentais para criação dos próprios grupos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Nas narrativas estão contidas representações sociais, e estas exprimem realidades coletivas, são coisas sociais e produto do pensamento coletivo. Ou seja, não estamos reduzindo as representações sociais à experiência individual, categorias de representação são essencialmente coletivas.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Por outro lado, é importante que não se recuse à consciência individual <i>"o poder de perceber semelhança entre as coisas particulares que ela representa para si"</i>, mesmo que seja da sociedade que se tomem emprestado os fatos para, em seguida, projetá-los na representação do mundo que as pessoas fazem (Durkheim, 1978, p. 161 e 165). Representações são aquelas responsáveis por justificar, aos próprios indivíduos que as forjam, suas escolhas e condutas.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, até as representações coletivas mais elevadas só ganham sentido à medida que comandam os atos das pessoas, que elaboram sua construção de mundo. Uma variedade de compreensões de representações se faz presente, a realidade acaba <i>"contraditoriamente construída pelos diferentes grupos"</i>. Disto decorre uma série de discursos e práticas diferenciadas (Chartier, 1988, p. 23).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Para Howard Becker (1993), a representação do mundo varia <i>"porque a organização social molda não somente o que é feito, mas também o que as pessoas querem que as representações façam"</i> (Becker, 1993, p. 139). Desta forma, acredita-se que existem modos de representação que serão encarados como <i>"maneiras que as pessoas usam pra contar o que pensam que sabem para outras pessoas que querem sabê-lo"</i> (<i>ibid</i>., p.137). As representações e categorias do discurso são anteriores a qualquer realidade, elas justificam aos próprios indivíduos suas escolhas e condutas.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">É provável que o depoente faça uso de associações, estereótipos e valores e, de algum modo, isso estará registrado no processo, assim como o fazem os juizes, apesar de obedecerem, em sua fala, à retórica jurídica.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Portanto, o processo não deve ser visto apenas como expressão do Estado, e este não deve ser visto como emissor dos depoimentos. É necessário considerar os filtros que a justiça impõe, mas não se deve considerar que a narrativa não contenha o modo como determinada pessoa vivencia sua realidade. O processo contém formulações dos diversos segmentos envolvidos e não apenas a do Estado.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica-Normal, sans-serif;"><b>Processos como narrativas</b></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes de entrarmos nas implicações da interpretação dos processos, gostaríamos de abordar outra importante referência teórico-metodológica, o conceito de narrativa.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Uma referência interessante nesta área é o trabalho de Steinmetz (1992) sobre a relevância das narrativas na formação da classe trabalhadora. Embora o autor aborde a classe trabalhadora e aqui se esteja falando também de um grupo específico da elite (juízes), a maneira pela qual o autor focaliza as narrativas no processo de formação da classe é de grande utilidade para o objetivo aqui em questão.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A primeira definição que o autor dá à narrativa é a de um discurso estruturado em começo, meio e fim, que descreva algum tipo de mudança ou desenvolvimento, permeado por conflitos e explicações causais (Steinmetz, 1992, p. 490). Outras definições oferecidas por Steinmetz são as de Frederic Jameson (Steinmetz, 1992, p. 496), que define narrativa como uma das coordenadas abstratas ou vazias dentro da qual nós viemos a conhecer o mundo e a compreender e ordenar o que chamamos de experiência, e a de Bordwell e Thompson (Steinmetz, 1992, p. 497), definindo narrativa como uma cadeia de eventos em relações de causa e efeito acontecendo no tempo, que começa com uma situação que se desencadeia em uma série de seqüências em que, finalmente, uma nova situação surge e traz um fim à narrativa.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Após definir o que entende por narrativa, o autor afirma que a análise dos aspectos culturais da formação de classe deve focalizar as histórias que as pessoas contam sobre si mesmas, pois a construção dessas histórias é fortemente condicionada pela cultura e pela memória coletiva da classe à qual elas pertencem (Steinmetz, 1992, p. 490-491), sendo, portanto, um reflexo da ideologia desta classe.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Tendo por base uma discussão de Ira Katznelson (apud Steinmetz, 1992, p. 492-493) sobre a formação da classe trabalhadora, a qual ele divide em quatro níveis: 1) estruturação de classe a partir do desenvolvimento do capitalismo; 2) modos de vida, segundo as maneiras pelas quais as pessoas organizam a vida em sociedade; 3) disposições compartilhadas, segundo os valores pelos quais pessoas na mesma posição de classe orientam seu comportamento, sendo orientações ideológicas e discursos compartilhados e 4) ação coletiva, pois as pessoas que compartilham disposições devem necessariamente atuar de maneiras similares, Steinmetz vai propor a quebra do terceiro nível do esquema analítico de Katznelson em três partes distintas: 1) em habitus (definição de Bourdieu), 2) em discursos, alguns dos quais tomam a forma de narrativas e 3) outras práticas. Afirma que discursos e outras práticas são gerados pelo habitus e que retroagem com ele.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O autor propõe a ênfase no aspecto discursivo da formação de classe, na maneira como se estruturam os discursos e no seu conteúdo. Retomando Thompson, afirma que existe uma ligação muito forte entre as narrativas e a ideologia de classe: <i>"Ideologies tend to assume a narrative form: stories are told which justify the exercise of power by those who possess it – situating them within tales that recount the past and anticipate the future".</i>(Thompson, <i>apud</i> Steinmetz, 1992, p. 495). Assim, na análise das narrativas é preciso perguntar como os eventos são definidos, quais os eventos são incluídos na narração e quais são excluídos e que princípios governam o processo de seleção (Steinmetz, 1992, p. 497).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O conceito de narrativa de Steinmetz vem a somar tanto com os de habitus e de campo de Bourdieu, quanto com os demais apresentados até aqui, no sentido de abordar os diversos discursos presentes nos processos judiciais, lembrando que eles estão social e historicamente localizados, podendo revelar a identidade almejada, construída e difundida pelos atores envolvidos nesses processos.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica-Normal, sans-serif;"><b>A questão interpretação</b></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A partir do momento em que o que se busca é compreender o discurso situado em um contexto histórico, social e político específico, a antropologia interpretativa também fornece um referencial teórico-metodológico de grande utilidade. Um questionamento muito comum feito aos pesquisadores que trabalham com fontes documentais para uma análise qualitativa de grupos sociais específicos, é que não estamos lidando diretamente com os grupos, com os acontecimentos que os envolvem, não estamos empreendendo a observação direta como acontece na etnografia, mas estamos diante do texto escrito num documento oficial, o que traria implicações diversas, algumas das quais discutimos aqui.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Geertz (1978) afirma que <i>"o homem é um animal amarrado às teias de significados que ele mesmo teceu assumindo a cultura como sendo essas teias e sua análise (...) como uma ciência interpretativa, à procura do significado"</i> (Geertz, 1978, p. 15). Assim, ele toma o comportamento humano enquanto essencialmente simbólico, consistindo de sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, cabendo ao pesquisador a tarefa de compreendê-los:</span></div>
<blockquote style="font-family: verdana, arial;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>Descobrir as estruturas conceptuais que informam os atos de nossos sujeitos, o dito no discurso social, e construir um sistema de análise em cujos termos o que é genérico a essas estruturas, o que pertence a elas porque são o que são, se destacam contra outros determinantes do comportamento humano. Em etnografia o dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo </i>–<i> isto é, sobre o papel da cultura na vida humana (Geertz, 1978, p. 37).</i></span></div>
</blockquote>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Lemos o processo, como "lemos a cultura" no sentido de Geertz. Os comportamentos, posições tomadas nos processos, são investigados, procurando-se as <i>"estruturas significantes em termo das quais (...) são produzidos, percebidos e interpretados"</i>, sem as quais não fariam o menor sentido (<i>ibid</i>., p. 17). A questão que se coloca aqui é que, no trabalho com narrativas de processos, não se está observando diretamente o fenômeno ou o ato empreendido.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Porém, o próprio Geertz adverte: <i>"o que chamamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas"</i> (ibid., p. 18). Isto quer dizer que sempre que interpretamos aspectos de uma cultura, estamos efetuando uma interpretação que é de segunda ou terceira mão, nas palavras do próprio autor. Trabalhar com narrativas de processos exige que tal argumento seja considerado, pois o próprio registro já é, ele mesmo, uma interpretação.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O fato de o trabalho de campo ser realizado pela leitura dos processos não faz com que a ação que eles têm registrado não possa ser considerada uma ação simbólica, nos termos de Geertz, uma ação a ser interpretada, uma ação a ganhar sentido à medida que se descobre o que elas são para seus agentes. Quer-se atingir o ato de pensamento que produziu o discurso. Tem-se aqui a tarefa da interpretação de <i>"expressões da vida que foram fixadas pela escrita"</i> (Ricoeur, 1990, p. 18). Tal como coloca Geertz, considera-se a análise da cultura <i>"como uma ciência interpretativa, à procura de significado"</i> (Geertz, 1978, p. 15).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">As pesquisas se inserem na questão da escrita e da interpretação, já que se quer trabalhar com o que está registrado em processos. Este registro inclui, tal qual na escrita etnográfica, uma tradução da experiência para a forma textual. É certo que a <i>"escrita etnográfica encena uma estratégia específica de autoridade"</i> (Clifford, 1998, p. 21), a qual pode ser largamente discutida, tal como fez James Clifford, mas que aqui não constitui o cerne da questão.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Sabe-se que um autor como Geertz tem a questão da etnografia como central no desenvolvimento de sua argumentação e se acredita que tal argumentação pode ser pensada, sob alguns aspectos, para a análise que se procura empreender com processos. Segundo Clifford, <i>"Geertz, numa série de estimulantes e sutis discussões, adaptou a teoria de Ricoeur ao trabalho de campo antropológico"</i> (Clifford, 1988, p. 39).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Ricoeur afirma que cada palavra utilizada por um agente recorre ao papel seletivo dos contextos: <i>"veiculada por um locutor preciso e um ouvinte que se encontra numa situação particular",</i> em que é posta em jogo <i>"uma atividade de discernimento que se exerce numa permuta concreta de mensagens entre os interlocutores"</i>(Ricoeur, 1990, p. 18-19). Trata-se propriamente da interpretação, que ocorre o tempo todo.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Geertz formula a questão: <i>"como é possível que antropólogos cheguem a conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe o mundo?"</i> (Geertz, 1997, p. 86). É preciso procurar e analisar as formas simbólicas (palavras, imagens, comportamentos) em cujos termos as pessoas realmente se representam para si mesmas e para os outros (ibid., p. 90).</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Deve-se buscar "com quê" ou "por meio de quê", ou "através de quê" (...), os outros percebem (Geertz, 1997, p. 89). A partir das narrativas dos processos, pode ser buscado o significado para o significante que temos em mão, ou seja, considerando significante o conjunto de atos simbólicos, pretende-se, a partir da análise do discurso social, enquadrá-los de forma inteligível (Geertz,1978, p. 36). Sabe-se que não se chegará a nada diferente de uma construção própria de construções de outras pessoas, é o que a análise dos processos irá permitir.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">É importante lembrar que uma das principais considerações a ser feita da antropologia interpretativa é a de que é extremamente necessário manter a análise das formas simbólicas atreladas ao contexto social no qual elas estão inseridas. Não se pode perder de vista que o exercício da interpretação dos significados do discurso depende das posições e do campo de poder em que estão inseridos todos os atores, tanto quem fala (pesquisador) quanto de quem se fala (pesquisado). Por isso, é necessário compreender o resultado da pesquisa como uma interpretação possível dentro de um contexto histórico específico.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">As reflexões aqui abordadas contribuem para a constituição de algumas delimitações da pesquisa com processos judiciais, do que se pode buscar por meio deste trabalho de campo e sobre como os dados podem ser utilizados. Pela análise das narrativas dos processos judiciais, pode-se buscar aquilo que é transmitido com a ocorrência de determinados comportamentos e com o discurso sobre esses comportamentos, ou seja, pode-se apreender a lógica que informa tais comportamentos e discursos empreendidos pelos grupos sociais estudados.</span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="font-family: verdana, arial; text-align: justify;">
<b>Para ver as referências bibliográficas, assim como a fonte do artigo acessar: </b><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext" style="font-family: 'Times New Roman'; text-align: -webkit-auto;">http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222005000100010&script=sci_arttext</a></div>
</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-64635912496821118862011-11-07T11:56:00.006-02:002011-11-07T11:56:58.232-02:00Seminário Violência Urbana, Administração Institucional de Conflitos e Metrópoles Brasileiras<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGrgS6ATGLIGqhLwYxjHOp_7OcfsUB0xjUZPNdbBxAaGHqIFmF6htraDn-NgdoHHvGK_bSupxTJo-Qx9LAUme49OVqcEb5U_vEPAbGvWNC5CKE41vB8XJKyWkhm7hiJlPovtc2bYPgOsrz/s1600/cartaz_seminario_incts.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGrgS6ATGLIGqhLwYxjHOp_7OcfsUB0xjUZPNdbBxAaGHqIFmF6htraDn-NgdoHHvGK_bSupxTJo-Qx9LAUme49OVqcEb5U_vEPAbGvWNC5CKE41vB8XJKyWkhm7hiJlPovtc2bYPgOsrz/s640/cartaz_seminario_incts.jpg" width="452" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
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</div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Seminário Violência Urbana, Administração Institucional de Conflitos e Metropoles Brasileiras</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Começa no próximo dia 7 de novembro no Campus da Praia Vermelha da UFRJ o “Seminário Violência Urbana, Administração Institucional de Conflitos e Metropoles Brasileiras” . O evento reunirá pesquisadores do INCT/InEAC, INCT/Observatório das Metrópoles e do INCT/Violência, Democracia e Segurança Cidadã.</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Confira abaixo a programação do evento :</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">LOCAL: AUDITÓRIO PROF. MANOEL MAURÍCIO DE ALBUQUERQUE<br />Campus da praia vermelha - Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Pasteur, no 250 – Urca</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">9h – Abertura<br />10:00h - Ana Paula Miranda<br />10:15h - Daniel Simião<br />10:30h - Antônio Carlos Rafael Barbosa<br />10:45h - Maria Stella de Amorim<br />11:00h - Lana Lage.<br />11:15h - Discussão<br />12:00h - Almoço<br />14:00h - Rodrigo Azevedo<br />14:15h - Roberto Kant de Lima<br />14:30h – Edinilza Ramos de Souza<br />14:45h – Discussão<br />15:15h – Sérgio Adorno<br />15:30h – Renato Sérgio de Lima<br />15:45h – Maria Fernanda Tourinho Peres<br />16:00h - Frederico Castelo Branco<br />16:15h - Pausa<br />17:30h - Leonardo Damasceno<br />17:45h - Jania Perla Diógenes de Aquino<br />18:00h - Michel Misse<br />18:45h - Alex Niche Teixeira<br />19:00h – Maria Stela Grossi Porto</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Dia 8</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Reunião do comitê gestor</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">9:30h<br />Local: Sala Evaristo Moraes (sala109), Prédio do IFCS/UFRJ, Largo de São Francisco de Paula, térreo, centro – Rio de Janeiro.</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">• Michel Misse (NECVU)<br />• Alex Niche Teixeira (Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania)<br />• Maria Stela Grossi (NEVIS)<br />• Edinilza Ramos de Souza (CLAVES)<br />• Jania Perla Diógenes de Aquino (LEV) <br />• Leonardo Damasceno (LEV)<br />• Renato Sérgio de Lima (FBSP)<br />• Sérgio Adorno (NEV)</span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;"><br /></span></div>
<div style="background-color: #002b61; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; text-align: -webkit-auto;">
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">Fonte:<a href="http://www.uff.br/ineac/?q=semin%C3%A1rio-viol%C3%AAncia-urbana-administra%C3%A7%C3%A3o-institucional-de-conflitos-e-metr%C3%B3poles-brasileiras" style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: medium; text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="color: white;">http://www.uff.br/ineac/?q=semin%C3%A1rio-viol%C3%AAncia-urbana-administra%C3%A7%C3%A3o-institucional-de-conflitos-e-metr%C3%B3poles-brasileiras</span></a></span></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-24623150490701244112011-10-20T12:17:00.001-02:002011-10-20T12:19:50.277-02:00A História Esquecida: os Manicômios Judiciários no Brasil<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivn4kJdi_QC3VFauwG-ZYGbTvkn_F7p9P3i2jk7FEWbcxy2WoalSK6fEEGDtrZlJc_ktmGtr6JXmPcB8jKgomZqlHIJtxOtjGOVdXDcleiepudLGQ_budTWE9U6-FbPhAJ1_gpc0xWXaOl/s1600/casadosmortos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="285" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivn4kJdi_QC3VFauwG-ZYGbTvkn_F7p9P3i2jk7FEWbcxy2WoalSK6fEEGDtrZlJc_ktmGtr6JXmPcB8jKgomZqlHIJtxOtjGOVdXDcleiepudLGQ_budTWE9U6-FbPhAJ1_gpc0xWXaOl/s400/casadosmortos.jpg" width="400" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><br /></span><br />
<div>
<br /></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>SÉRGIO LUIS CARRARA</b></span></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Antropólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Coordenador Geral do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ)</span></div>
<div>
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt#back">Endereço para correspondência</a></span></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<hr noshade="" size="1" />
<div>
<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>RESUMO</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Apoiado em uma perspectiva antropológica, o artigo aborda a história do surgimento dos manicômios judiciários no Brasil na passagem dos séculos XIX-XX. Tal história é analisada tomando como caso exemplar o processo de criação, no Rio de Janeiro, do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, primeira instituição do gênero no país. Indaga como se construiu a ambígua figura do louco-criminoso e a instituição que dele se ocupa, explorando o significado social do crime ou da transgressão a partir dos diversos discursos e práticas que os tomaram como objetos de reflexão e de intervenção. Coloca em foco, de um lado, as discussões teóricas que, na passagem do século, versavam sobre as relações entre criminalidade e loucura; de outro, a prática judicial concreta sobre a qual tais discussões incidiam e que se desenrolava então nos tribunais cariocas.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Palavras-chave:</b> manicômio judiciário; crime; loucura; história.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>INTRODUÇÃO</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Em alguns países, indivíduos que cometem crimes e são considerados irresponsáveis devido à presença de algum tipo de doença ou perturbação mental são enviados a setores especiais de hospitais psiquiátricos. Em outros, são enviados para setores especiais das prisões. Parece ter sido a Inglaterra o primeiro país a erigir um estabelecimento particularmente destinado para os delinqüentes alienados, a prisão especial de Broadmoor, em 1863.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="topa"></a><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt#backa">ª</a> Antes dela, tanto na França quanto nos Estados Unidos havia apenas anexos especiais a alguns presídios para a reclusão e tratamento dos delinqüentes loucos ou dos condenados que enlouqueciam nas prisões.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">No Brasil, quanto aos chamados "criminosos loucos", o Código Penal de 1890 apenas dizia que eram penalmente irresponsáveis e deviam ser entregues a suas famílias ou internados nos hospícios públicos se assim "exigisse" a segurança dos cidadãos. O arbítrio em cada caso era uma atribuição do juiz. Em 1903, a lei especial para a organização da assistência médico legal a alienados no Distrito Federal, modelo para a organização desses serviços nos diversos estados da União (<i>Dec.1132 de 22/12/1903</i>), estabeleceu que cada estado deveria reunir recursos para a construção de manicômios judiciários e que, enquanto tais estabelecimentos não existissem, deviam ser construídos anexos especiais aos asilos públicos para o seu recolhimento. A partir da legislação de 1903, no bojo das reformas introduzidas no Hospício Nacional de Alienados, localizado no Rio de Janeiro, cria-se uma seção especial para abrigar os "loucos criminosos". Significativamente, a seção foi batizada de "Seção Lombroso", em homenagem ao psiquiatra e antropólogo criminal italiano César Lombroso que, em finais do século XIX, notabilizou-se por desenvolver uma teoria segundo a qual alguns indivíduos, a quem designa de "criminosos natos", nasceriam com uma marcada tendência para o mal. No entanto, a construção de um estabelecimento especial teria ainda que aguardar quase duas décadas para ser concretizar. Somente em 1920 seria lançada a pedra fundamental da nova instituição, oficialmente inaugurada em 1921 (<i>Dec. 14831 de 25/5/1921</i>). Surgia então o Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, primeira instituição do gênero no Brasil. Sua direção foi entregue ao médico psiquiatra Heitor Pereira Carrilho, que anteriormente chefiava a Seção Lombroso do Hospício Nacional. Na década de 50, em homenagem ao seu primeiro diretor, a instituição passou a ser chamada de Manicômio Judiciário Heitor Carrilho. Depois de 1986, no bojo das reformas da legislação penal brasileira, passou a ser designado como Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho. No Brasil, é em instituições desse tipo que são mantidos, através de medidas de segurança, os indivíduos que, por sofrerem algum tipo de doença ou distúrbio psíquico, são considerados penalmente irresponsáveis por algum crime ou delito. É para lá que também são enviados os presos que enlouquecem nas prisões.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Os manicômios judiciários são instituições complexas, que conseguem articular, de um lado, duas das realidades mais deprimentes das sociedades modernas - o asilo de alienados e a prisão - e, de outro, dois dos fantasmas mais trágicos que "perseguem" a todos: o criminoso e o louco.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Pesquisei sobre manicômios judiciários em meados dos anos 1980<sup>1,2</sup>, momento em que na seara das ciências sociais ou históricas nada havia sobre o assunto. Desde a primeira visita que fiz então ao manicômio judiciário do Rio de Janeiro (daqui em diante, apenas MJHC), tive a impressão (dessas tão caras à antropologia) de estar entrando em uma instituição híbrida e contraditória, de difícil definição. Além disso, o MJHC me parecia totalmente incapaz de atingir os objetivos terapêuticos a que se propunha. É certo que uma bibliografia já clássica nas ciências sociais vinha revelando que, sob a fachada médica das instituições psiquiátricas, desenrola-se, na verdade, uma prática secular de contenção, moralização e disciplinarização de indivíduos socialmente desviantes. De certo modo, denunciava-se assim a "prisão" que existiria atrás de cada hospício. Nesse sentido, o trabalho instaurador de Erving Goffman<sup>3</sup> chegou mesmo a mostrar que uma única estrutura de relações sociais poderia ser encontrada tanto em presídios quanto em manicômios, ambos podendo ser bem compreendidos através de um único conceito: o de <i>instituição total</i>. No entanto, se o manicômio e a prisão são verdadeiramente "espécies" de um mesmo "gênero", como o demonstrou Goffman, o MJHC chamava minha atenção justamente para a diferença que existe entre as duas "espécies"; e isso por sobrepô-las em um mesmo espaço social. O MJHC se caracterizava fundamentalmente por ser ao mesmo tempo um espaço prisional e asilar, penitenciário e hospitalar.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Prenhe de conseqüências práticas, a diferença entre o asilo e a prisão, visível através do MJHC, está amplamente ancorada nas definições opostas que mantemos a respeito do estatuto jurídico-moral dos habitantes de cada uma das instituições. Para a prisão enviamos <i>culpados</i>; o hospital ou hospício recebe <i>inocentes</i>. Sem dúvida, a moderna percepção da loucura e do crime é fruto de um processo que, embora tortuoso, já dura mais de dois séculos. Através desse processo, em que se empenharam médicos, juristas e outros profissionais, generalizou-se a idéia de que existe uma diferença essencial entre as transgressões realizadas por sujeitos considerados "alienados" - que não teriam controle nem consciência de suas ações - e aquelas provenientes de indivíduos considerados "normais" - que teriam controle sobre suas ações e plena consciência de seu caráter delinqüente ou desviante. Ao nível do senso comum, julgo ser bastante arraigada a idéia de que o crime se opõe à loucura como a culpa à inocência. Do mesmo modo, a idéia de "pena" e a idéia de "tratamento" ainda se excluem, pois, apesar de todas as oscilações por que já passou, a prisão, como reação penal por excelência, nunca deixou de significar explicitamente castigo ou expiação de uma culpa.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, a despeito de infinitas nuances, continuamos a distinguir claramente os atos desviantes que seriam frutos da <i>loucura</i> dos atos desviantes que seriam fruto da <i>delinqüência</i> e os apreendemos através de conjuntos de representações que se opõem em relação ao estatuto de sujeito responsável que atribuem ou não aos transgressores. Frente a tais representações, o MJHC, instituição destinada a <i>loucos-criminosos</i>, não deixava de parecer fundado sobre uma contradição. A instituição apresentava a ambivalência como marca distintiva e a ambigüidade como espécie (se os psiquiatras me permitem o uso da expressão) de "defeito constitucional". Através da legislação e do tratamento dispensado aos loucos-criminosos, foi possível ainda perceber que essa ambivalência poderia ser detectada em vários níveis. Uma linha, a um só tempo lógica e sociológica, parecia atravessar toda a instituição, marcando desde a legislação que a suportava até a identidade auto-atribuída dos internos e das equipes de profissionais encarregadas do estabelecimento. Os internos referiam-se a si mesmos como "presos" e não como "pacientes" e o tempo mínimo de internação ainda era medido em relação à pena que o individuo receberia caso tivesse sido considerado são e responsável.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">No MJHC, lidava com a existência de duas definições diferentes e, em certo nível, contraditórias, a respeito de um mesmo espaço social, o <i>hospício-prisão</i>. A existência dessas duas definições e de sua articulação problemática se revelava ao menos em dois planos: no plano legal e no institucional. É importante ressaltar ainda que essa "fronteira" que perpassava todo o MJHC era em si mesma inglória. Não distinguia o "sagrado" do "profano", o "positivo" do "negativo", o que seria melhor do que seria pior. Os internos se viam então colocados frente a uma estranha encruzilhada: inocentes, mas tutelados e sem direitos de um lado; culpados, mas sujeitos de certos direitos e deveres de outro. Um período de interdição menor, mas que podia se estender por toda a vida, de um lado, um período de interdição legal maior mas com saída certa, de outro.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O que se encontrava, tanto na legislação referente aos loucos-criminosos quanto no destino social que lhes continua sendo reservado, era justamente a superposição complexa de dois modelos de intervenção social: o<i>modelo jurídico-punitivo</i> e o modelo <i>psiquiátrico-terapêutico</i>. Superposição e não justaposição, pois, o modelo jurídico-punitivo parecia englobar o modelo psiquiátrico-terapêutico, impondo limites mais ou menos precisos ao poder de intervenção dos médicos e demais técnicos.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Dessa maneira, comecei a pensar o manicômio judiciário como uma "solução final" de um conflito histórico de competências, de projetos e de representações sociais mais abrangentes e não, simplesmente, como um acordo entre funções sociais complementares. Genericamente, o que transformava o MJHC em um espaço social paradoxal era justamente o fato de combinar dois conjuntos de representações e de práticas sociais que se fundam em concepções distintas e opostas sobre a pessoa humana sem que nenhum deles prevaleça plenamente.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">De um lado, há a versão que poderia ser chamada jurídico-racionalista e que vê o indivíduo como sujeito de direitos e de deveres, capaz de adaptar livremente seu comportamento às leis e normas sociais, capaz de escolher transgredi-las ou respeitá-las, capaz, enfim, de ser moral e penalmente responsabilizado por suas ações. De outro lado, há a versão que poderia ser denominada psicológico-determinista, que vê o indivíduo (principalmente o indivíduo alienado) não enquanto sujeito, mas enquanto objeto de seus impulsos, pulsões, fobias, paixões, desejos etc. Nessa última versão, as estruturas determinantes do comportamento, estando aquém da consciência e da vontade, não permitem que o indivíduo seja moralmente responsabilizado no sentido do modelo anterior, não sendo, portanto, passível de punição.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Por colocá-los muito próximos, combinando-os de maneira contraditória, os manicômios judiciários não deixavam de chamar a atenção para a existência, em nossa sociedade, desses dois códigos incompatíveis de compreensão das ações humanas e da responsabilidade individual. Ainda sob outras formas, tais códigos estão presentes em nossas avaliações mais cotidianas e são atualizados segundo situações muito concretas. Vivemos em sociedades que conseguiram (e seria muito importante saber como concretamente o fizeram) articular duas concepções conflitantes da pessoa humana: uma é moral e axiomática; a outra é "objetiva" e objetivante - científica. Aprendemos a lidar com esses dois códigos distintos e, a partir deles, qualquer comportamento pode ser apreendido tanto em termos morais (culpado <i>versus</i> não culpado; responsável <i>versus</i> irresponsável) quanto em termos médico-psicológicos, ou seja, como resultante de doenças, desequilíbrios nervosos, traumas, socialização problemática etc.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O que e propus fazer foi indagar a partir de que relações significativas entre representações e práticas que se ocupam da transgressão às normas e valores sociais foi possível surgir a figura do louco-criminoso e a instituição que dele se ocupa?<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="topb"></a><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt#backb"><sup>b</sup></a> Tal enunciado me parecia mais satisfatório porque colocava em foco o que eu julgava ser fundamental para a compreensão do surgimento do manicômio judiciário, ou seja, a maneira como se constituiu o significado social do crime ou da transgressão a partir dos diversos discursos e práticas que os tomaram enquanto objetos de reflexão e de intervenção, particularmente do discurso e prática da medicina mental.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">É sem dúvida importante perceber como a construção de um manicômio judiciário em particular foi encaminhada no Brasil, quais os grupos profissionais que lutavam por ele, quais governos foram mais sensíveis aos seus apelos etc. Penso, entretanto, que isso só teria pleno sentido depois de ser revelado como tal instituição pode ter se tornado algo pensável e defensável. Parece-me que a generalidade da minha primeira abordagem é em si mesma justificável, mas ela ainda encontrava apoio no fato mesmo de tais asilos prisões terem surgido quase simultaneamente em diferentes países. Essa simultaneidade levava a supor que seu surgimento esteve largamente relacionado a processos sociais mais amplos, ou que não se restringiam a questões propriamente nacionais. Dessa forma, escolhi pensar o aparecimento dessa estrutura institucional peculiar relacionando-a a "variáveis" sociológicas mais genéricas. Basicamente, as "variáveis" escolhidas poderiam ser dispostas em dois planos: de um lado, o plano das discussões teóricas que, na passagem do século, versavam sobre as relações entre criminalidade e loucura; de outro, o plano da prática judicial concreta sobre a qual tais discussões incidiam e que se desenrolava então nos tribunais.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>A QUESTÃO DO CRIME NA PASSAGEM DOS SÉCULOS XIX-XX</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O período entre final do século XIX e início do século passado apresenta como marca característica o surgimento, em vários países ocidentais, de uma ampla e sistemática reflexão em torno do crime e dos criminosos que não se continha apenas nos limites do chamado "mundo científico". Nas grandes cidades, ela alcançava as ruas e os lares através de uma incipiente mas promissora imprensa popular, ávida de novidades e de escândalos<sup>4</sup>, e de um novo gênero literário, o romance policial, filho legítimo desse tipo de imprensa.<sup>5,6</sup></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes de mais nada, é importante lembrar do aumento significativo do número de crimes nas grandes metrópoles da passagem do século. Tal aumento é geralmente explicado pela intensificação do processo de urbanização e industrialização a que tais cidades assistem. Ao que parece, essa intensificação não se restringiu apenas às grandes metrópoles dos países mais desenvolvidos (onde Jack, o estripador, zombava da polícia), mas também, guardadas as proporções e especificidades, às dos países periféricos. Para o Brasil, trabalhos importantes foram feitos explorando a relação entre as profundas alterações sociais que experimentam as suas grandes cidades da<i>belle époque</i>, especificamente Rio de Janeiro<sup>7</sup> e São Paulo<sup>8</sup>, e o aumento das taxas de criminalidade e do interesse em torno da questão. Aumento populacional intenso, liberação não planejada da mão-de-obra escrava, incorporação de grandes contingentes de imigrantes nacionais e estrangeiros, industrialização, formação de um mercado de trabalho competitivo em moldes capitalistas, modernização da estrutura urbana e mudanças significativas no estilo de vida são apenas alguns dos elementos apontados mais freqüentemente como fontes de agudização dos conflitos sociais naquele momento.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Entretanto, para além das tensões sociais inerentes a um acelerado processo de urbanização e industrialização, as grandes cidades do final do século XIX assistem ainda à emergência de um outro fenômeno social que não pode ser desprezado e que se apresenta como efeito da formação de um <i>meio delinqüencial fechado</i>, recortado principalmente entre infratores das classes populares urbanas. Como já apontou Michel Foucault<sup>9</sup>, a circunscrição de tal meio foi em grande parte conseqüência da prática prisional que se instalou no coração dos sistemas penais a partir do final do século XVIII.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="topc"></a><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt#backc"><sup>c</sup></a> Através da prisão, o "crime" se organiza, se especializa e se profissionaliza no meio urbano, e a nova feição que adquire aparece marcada pelo fenômeno da reincidência.<sup>10</sup> Desligado de seu meio social de origem, dados os longos períodos de reclusão a que é submetido, e preso nos jogos da marginalização, começava a se desenhar para o criminoso uma trajetória social sem retorno. Foi, sem dúvida, frente a uma tal realidade sociológica que se tornou possível conceber o criminoso como um "tipo natural"; concepção que selava a irreversibilidade de uma trajetória delinqüente no momento mesmo em que passava a percebê-la enquanto manifestação de uma natureza individual anômala, de um psiquismo perturbado pela doença. Assim a reflexão em torno da existência de um "tipo natural" criminoso que emergia na segunda metade do século XIX, não se tecia então apenas com os fios do imaginário, pois se apoiava em parte sobre um processo histórico de constituição do criminoso enquanto um "tipo social".</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Compreender por que o crime se colocou naquele momento como objeto privilegiado de reflexão é também visualizar a crise pela qual passava o liberalismo, quer enquanto doutrina política com determinada fundamentação filosófica - a filosofia das Luzes, quer enquanto modo específico de organização social e política. Nesse sentido, refletir sobre o crime era também refletir sobre o que se julgava ser os excessos do individualismo, alimentado pela doutrina liberal. Tais excessos eram identificados tanto nas "românticas" transgressões de indivíduos criminosos ou "malditos" (como Byron, Rimbaud, Álvares de Azevedo, De Quincey, entre outros), quanto nas transgressões político-ideológicas também "românticas" de anarquistas, comunistas ou socialistas utópicos. Através do crime, juristas, criminalistas, criminólogos, antropólogos criminais, médicos-legistas, psiquiatras, todos fortemente influenciados por doutrinas positivistas ou cientificistas, discutiam de fato uma questão política maior: os limites "reais" e necessários da liberdade individual, que, vista como excessivamente protegida nas sociedades liberais, era apontada como causa de agitações sociais ou, ao menos, como empecilho à sua contenção.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, através das discussões em torno do crime, tratava-se não somente de atacar a ordem política e jurídica liberal, mas também de consolidar uma nova concepção do homem e de sua relação com a sociedade, amplamente ancorada em formulações positivistas e cientificistas.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">No Brasil, como bem apontou Schwarz<sup>11</sup>, apesar de negarem frontalmente o clientelismo e a lógica do favor que caracterizavam as relações sócio-políticas tradicionais, os princípios liberais que foram mais fortemente incorporados às instituições nacionais com o advento da República de 1889, em vez de destruí-los, a eles se incorporaram em uma espécie de "coexistência estabilizada". Tal coexistência, como sabemos, deu origem a "instituições" tão peculiares quanto o voto de cabresto ou o uso da lei como momento supremo de arbítrio ("aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei", segundo conhecido ditado popular). Entretanto, se o liberalismo assumiu entre nós uma "cor local", ele ainda nos chegou acompanhado de uma "bula" que apontava seus vários "efeitos colaterais" e "contra-indicações". As instituições liberais nasceram, entre nós, sob o fogo cerrado de "positivistas", "evolucionistas" e "socialistas" de vários matizes. Todos eles, de uma maneira ou de outra, denunciavam as bases "metafísicas" do liberalismo e advogavam que a "boa lei" não deveria pretender apoiar-se sobre princípios abstratos, eternos e universais como queria o jusnaturalismo, mas sim nas necessidades objetivas de cada povo ou nação, nas particularidades cientificamente demonstradas da realidade sobre a qual ela pretendia legislar. Igualdade, liberdade etc. seriam apenas palavras vazias se não correspondessem a qualquer realidade verificável.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, embora o contexto fosse diferente, também aqui, como nos países europeus, através das discussões em torno do crime e da desigualdade cientificamente demonstrável que o crime parecia tematizar, surgiram as mesmas críticas ao liberalismo e à concepção de homem veiculada pelo Iluminismo. Formuladas no bojo de sistemas de pensamento antiliberais, tais críticas tiveram ao que parece ampla aceitação na elite intelectual brasileira daquele momento, contribuindo para a formação das bases de um pensamento autoritário cuja relevância já tem sido bastante evidenciada há alguns anos. É dentro desse amplo quadro que devem ser compreendidas as relações significativas que, na passagem do século, forjaram-se em torno do crime e da loucura.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Enquanto objeto da psiquiatria, o crime será visto em algumas de suas formas como sintoma de uma doença mental: comportamento referido a uma <i>situação excepcional</i> por que passariam alguns indivíduos durante certos períodos de suas vidas. É importante salientar que tal concepção do <i>crime-doença</i> não deixava de revelar uma avaliação "otimista" do ser humano, que naturalmente bom, apenas eventualmente teria sua natureza pervertida por causas ou razões externas, contingentes, inesperadas. Já enquanto objeto de uma antropologia, o crime (ou seus referentes mais abstratos: a maldade, a ferocidade, a impulsividade etc.) será pensado como espécie de<i>atributo peculiar</i> a certas naturezas humanas. Através desse <i>crime-atributo</i>, uma espécie de reflexão ontológica irá equacionar comportamentos individuais desviantes a configurações psicossomáticas particulares e hereditariamente adquiridas. Em fins do século XIX, os caminhos indicados pelas entradas abertas pela psiquiatria e pela antropologia criminal se cruzam sobre um espaço que é ao mesmo tempo médico e legal. Desse cruzamento, surgirão os manicômios judiciários e outras instituições do gênero.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>AS NOVAS FIGURAS DO MAL: OS MONOMANÍACOS, OS DEGENERADOS E OS CRIMINOSOS NATOS</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Para a compreensão dos impasses que se colocavam na prática judicial quando se levantava suspeitas sobre a sanidade mental do acusado e também do surgimento dos manicômios judiciários, parece fundamental a apresentação do significado de basicamente três categorias: "monomania", "degeneração" e "criminalidade nata". Tais categorias articulavam diferentemente a transgressão moral nos termos da <i>doença</i> ou da <i>anomalia</i>, colocando alguns criminosos ora como objetos da <i>patologia</i>, ora como objetos da <i>teratologia</i>.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">É importante salientar que o aparecimento da noção de monomania, visceralmente implicada na interpretação psiquiátrica de certos crimes, teve uma importância enorme na própria história da psiquiatria e de seu objeto. Foi através dela que se forjou a concepção da loucura enquanto alienação mental, ou seja, enquanto doença que não se caracterizava necessariamente pelo delírio. Como aponta Michel Foucault<sup>12</sup>, foi através da monomania, principalmente da monomania instintiva, que se pode visualizar com clareza em que se transformou a loucura no correr do século XIX: um "mal" que implicou a "objetificação" do homem e que passou, nas palavras do autor, a "...estendê-lo finalmente ao nível de uma natureza pura e simples, ao nível das coisas..." (p. 516).</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Contudo, na segunda metade do século XIX a noção de monomania receberia golpes decisivos no interior do campo psiquiátrico, quando aparece a teoria da degeneração, esboçada primeiramente pelo médico francês A. Morel. Foi então que começaram a surgir, no âmbito das discussões sobre o crime, "os degenerados". Estes seres, embora continuassem a equacionar o crime nos jogos da sanidade/insanidade mental, permitiam que se esboçasse uma primeira "criminologia", na forma de uma reflexão médica específica sobre o crime, uma vez que, segundo a teoria da degeneração, qualquer ato criminoso podia ser lido como um sintoma de doença mental ou de instabilidade psíquica. Com o aparecimento dos degenerados, os médicos começaram a questionar os fundamentos do direito penal liberal. É importante salientar, entretanto, que a expressão monomania continuou a ser utilizada pelos médicos durante todo o século XIX e não desapareceu com o surgimento das teorizações em torno da degeneração. O que acontece é que os indivíduos antes considerados monomaníacos (impulsivos e loucos raciocinantes ou loucos morais) são, a partir da segunda metade do século XIX, classificados preferencialmente como degenerados.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Degeneração e monomania apresentam-se, portanto, como noções concorrentes, pretendendo abordar diferentemente um mesmo conjunto de comportamentos: transgressões aparentemente irracionais onde o delírio não está em causa e que partem de indivíduos cuja situação doentia parece ser um estado permanente, indicando uma espécie de doença congênita e incurável. A doutrina da degeneração irá enfatizar, sobretudo, essa característica inata e constitutiva de algumas perturbações mentais já tematizada incipientemente pela monomania, permitindo que a discussão psiquiátrica oscile entre uma reflexão sobre as doenças que podem acometer os homens, tornando-os infelizes, e uma reflexão sobre a própria natureza humana e sobre como os homens podem se tornar a causa da infelicidade uns dos outros.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O comportamento criminoso - ao menos nos casos em que se percebia uma "tendência precoce para o mal" - encontrava seu espaço entre as manifestações degenerativas da espécie humana. Na verdade, a doutrina da degeneração fez com que o crime, em si mesmo, pudesse se tornar objeto de uma abordagem psicopatológica, tornando possível uma primeira "criminologia", como dito anteriormente.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Ao longo do século XIX, a psiquiatria expandiu suas categorias nosológicas e, conseqüentemente, abarcou nos quadros da alienação mental um número crescente de comportamentos desviantes, que até então tinham sido apenas objeto da moral, da ética, da lei. Através de categorias como as de monomania ou degeneração, vários crimes começaram a ser compreendidos medicamente, e já se percebia inclusive uma zona fronteiriça, onde crime e loucura se confundiam, ou melhor, onde o crime podia ser interpretado como resultante de um psiquismo perturbado ou anômalo. Através da degeneração, o crime como desvio moral pôde também ser compreendido enquanto disfunção orgânica. Entretanto, o foco da reflexão médica não era propriamente o crime, nem os criminosos eram seu objeto de intervenção privilegiado. Ao que parece, a psiquiatria somente podia abordar o crime sob pena de desqualificá-lo enquanto tal, para compreendê-lo como sintoma de uma moléstia mental qualquer.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A naturalização do crime fora da oposição sanidade/insanidade, bem como o estabelecimento de suas conseqüências para a prática penal e penitenciária, só se realizarão plena e sistematicamente através de um discurso médico-legal embasado nas formulações de uma disciplina que, nas últimas décadas do século XIX, reivindicava foros de ciência natural, positiva, legítima: a <i>antropologia criminal</i>. É justamente no âmbito desse pensamento que se forjarão as críticas mais radicais ao sistema jurídico-penal característico das sociedades liberais.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="topd"></a><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt#backd"><sup>d</sup></a> Tal sistema, como se sabe, orientava-se por princípios jurídicos estabelecidos no seio do pensamento iluminista e que foram sistematizados pelo italiano Cesare Beccaria em seu famoso livro <i>Dos delitos e das penas</i>, publicado em 1767. As bases do chamado direito clássico assentavam-se sobre três postulados fundamentais<sup>13,14</sup>. O primeiro estabelecia a igualdade de todos os homens perante a lei. O segundo propunha que a severidade da pena deveria se pautar exclusivamente pela gravidade do delito cometido. Finalmente, o terceiro dizia que a lei penal não poderia ser retroativa, ou seja, que não haveria crime sem lei anterior que o previsse. Todos esses princípios serão colocados em xeque a partir das formulações da antropologia criminal.<sup>15,16</sup></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Constituída pelas "descobertas" de um outro italiano, o médico psiquiatra Cesare Lombroso (1835-1909), a antropologia criminal consistiu na aplicação das técnicas da antropometria e da cranioscopia, desenvolvidas anteriormente por médicos como Broca e Gall, ao exame dos corpos dos criminosos e no tratamento estatístico dos resultados obtidos por tais técnicas. Os frutos desses procedimentos, interpretados de uma maneira que logo foi considerada pouco metódica e não-científica, conduziam à conclusão de que alguns criminosos podiam ser considerados uma variação singular do gênero humano, uma classe antropologicamente distinta no interior do conjunto dos seres humanos. O que se tentava demonstrar era a existência de um <i>Homo criminalis</i>, de um "criminoso nato".</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Em finais do século XIX, as teorias em torno da monomania, da degeneração e da criminalidade nata passam a ser utilizadas nos tribunais para classificar certos criminosos, colocando sérios problemas ao andamento de processos e julgamentos. Se o funcionamento do sistema jurídico penal liberal assentava-se na possibilidade de distinguir claramente loucos de sãos, responsáveis de irresponsáveis, e na existência do hospício, como instituição complementar à prisão, os médicos passavam agora a manipular categorias diagnósticas que, ou supunham um contínuo entre sanidade e loucura (como era o caso da degeneração), ou (como era o caso dos criminosos nato) uma concepção biodeterminista da pessoa humana que comprometia o próprio julgamento de responsabilidade, uma vez que os indivíduos passam, em seus termos, a serem considerados <i>naturalmente</i> bons ou maus. Todos, em certo sentido, seríamos irresponsáveis, movidos por nossas tendências naturais. Como queriam os adeptos das novas teorias sobre o crime e os criminosos, todo o sistema penal liberal devia ser reformulado, com a abolição dos próprios tribunais, com a substituição de juízes por técnicos, com a adoção de medidas de contenção e recuperação de duração indeterminada etc.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Um exemplo do tipo de confusão que a incorporação dessas categorias na prática judicial concreta é o caso que analisei mais aprofundadamente em outro momento, envolvendo o assassinato, em 1896, do Comendador Belarmino B. P. de Melo, que, aos setenta anos de idade, foi vítima do jovem Custódio Alves Serrão. Belarmino era amigo íntimo do pai do assassino e, depois da morte dele, tornou-se tutor dos dois irmãos de Custódio: do irmão mais velho, porque ele se encontrava internado no Hospício Nacional de Alienados, e da irmã mais nova, que ainda não havia alcançado a maioridade.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O caso é tão singular que, a primeira vista, beira a ficção. O próprio nome do assassino - Custódio - parecia fazer alusão à discussão que seu ato desencadearia. A história de vida da vítima misturava-se à história das instituições penais, uma vez que Belarmino havia sido o chefe da Casa de Correção da Corte e havia se notabilizado pela defesa da introdução do sistema de isolamento celular nas prisões brasileiras. Além disso, Custódio afirmava que matara Belarmino porque ele o acusava de ser louco e ameaçava interná-lo no Hospício Nacional, junto do irmão.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Frente a tudo isso, logo depois de sua prisão, dois médicos-legistas da polícia, foram chamados para avaliar o caso e classificaram Custódio como monomaníaco, atingido pela monomania das perseguições, aconselhando seu internamento no Hospício Nacional. Depois de um curto período de internação no Hospício Nacional, Custódio foge e se reapresenta à polícia, exigindo que fosse respeitado o seu direito de ser julgado pelo crime que havia cometido. Além disso, faz duras críticas ao Hospício, desencadeando uma pesada campanha contra o diretor do estabelecimento, o Dr. Teixeira Brandão. Um dos nomes mais notáveis da psiquiatria de então, Brandão era o primeiro catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o responsável pela expulsão das irmãs de caridade que controlaram o Hospício Nacional até a proclamação da República. Depois da fuga, Custódio foi reconduzido pela polícia ao hospício. Depois do período de observação, o médico da instituição o diagnostica como degenerado, dizendo com isso, que embora não fosse responsável por suas ações, Custódio não era propriamente um doente e sim o portador de um defeito constitucional que o predispunha ao crime. Frente a isso, Teixeira Brandão recusa-se a assinar a internação, dizendo que para tais casos o ideal seria um manicômio-criminal. Como tal instituição ainda não existia, o psiquiatra reenvia Custódio à polícia para que o processo criminal fosse retomado. Novos médicos são chamados a examiná-lo e o diagnóstico de degeneração (ou criminalidade nata) é mantido. Dadas as posições de Brandão, o famoso professor de medicina-legal da Faculdade da Bahia, Raimundo Nina Rodrigues, entra na disputa. Para ele, era incompreensível que, frente ao fato de inexistir um manicômio judiciário, Teixeira Brandão aceitasse a condenação e punição de alguém que ele mesmo sabia ser um degenerado e, portanto, um irresponsável. Custódio é julgado e, considerado irresponsável penalmente, absolvido. Muito provavelmente acabou em liberdade, uma vez que os psiquiatras do Hospício Nacional, na ausência de um manicômio judiciário, recusavam-se a acolher tais casos.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>DEGENERADOS, CRIMINOSOS NATOS E O SURGIMENTO DO PRIMEIRO MANICÔMIO JUDICIÁRIO BRASILEIRO</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Parece-me já estar claro, o tipo de problema que a incidência de categorias como a de </span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">"degenerado" ou "criminoso nato", ou melhor, que a incidência da noção biodeterminista da pessoa humana que elas expressavam, impunha às formas socialmente previstas para a contenção e repressão dos transgressores. Ao nível da prática judiciária, as contradições e impasses vão se acumulando ao longo das duas primeiras décadas do século XX. Casos mais ou menos escandalosos vão surgindo e motivando psiquiatras e magistrados a lutar em prol da construção de um asilo criminal, que começa a ser considerado amplamente a única saída possível para o impasse que opunha médicos e juristas, e, às vezes, psiquiatras e médico-legistas. É sem dúvida significativo que, alguns anos após o caso Serrão, apareça na legislação referente à organização da assistência a alienados no Brasil (Dec. nº1132 de 22/12/1903), amplamente influenciada por Teixeira Brandão e Juliano Moreira, seu sucessor na direção do Hospício Nacional, a obrigatoriedade de construção de manicômios judiciários em cada estado, ou, na sua impossibilidade imediata, da circunscrição de pavilhões especialmente destinados aos loucos-criminosos nos hospícios públicos existentes. Foi depois dessa lei que, instituiu-se a Seção Lombroso do Hospício Nacional, especialmente destinada ao recolhimento dos loucos-criminosos. Homenagem ao criador da teoria dos criminosos-natos, o nome da do serviço atesta o fato de que era para o abrigo de tais figuras que a seção se destinava. Porém, o problema não estava ainda resolvido. Dois outros acontecimentos viriam precipitar o surgimento de um manicômio judiciário entre nós, engajando mais fortemente a imprensa e os poderes públicos.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">O primeiro deles ocorreu em 1919, quando um outro "degenerado", um taquígrafo do senado, mata D. Clarice Índio do Brasil, mulher de um Senador da República e figura conhecida da alta sociedade carioca<sup>17</sup>. A possibilidade de o assassino vir a ser absolvido faz com que a própria imprensa se engajasse intensamente na luta pela criação de um manicômio judiciário. Porém, em oposição aos médicos, os jornalistas, ao defenderem a construção do estabelecimento, não enfatizavam o seu caráter terapêutico ou humanitário; antes, apontavam sua urgente necessidade para uma repressão mais eficaz aos delinqüentes. Os termos em que a discussão aparece nos jornais atestam de forma clara a ambigüidade da percepção social que se construía em torno dessas estranhas figuras, meio inocentes e meio culpadas, que eram os degenerados, os criminosos natos, os anômalos morais enfim.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Logo após o assassinato de Clarice, o governo federal começaria a mobilizar-se para fundar o novo estabelecimento e ainda em 1919 o congresso votaria crédito para sua construção. Talvez não tivesse sido erguido tão prontamente sem a interveniência do segundo acontecimento, que consistiu em uma séria rebelião ocorrida a 27 de Janeiro de 1920 na Seção Lombroso do Hospício Nacional, onde segundo os jornais, estariam internados 41 "loucos da pior espécie", "gente perigosa" "sempre com o intuito do mal" (<i>JC</i>, <i>OP</i>, <i>O Jornal</i>, 28/01/1920). Liderados por Roberto Duque Estrada Godefroy, alcoólatra e preso diversas vezes por vadiagem e pequenas agressões, os internos da Seção Lombroso conseguiram sair de suas celas, agrediram funcionários do hospício e atearam fogo nos colchões, produzindo enorme comoção.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">A campanha pela construção de um manicômio judiciário na capital tem efeitos positivos e imediatos. A 21 de abril de 1920 - dia que entre nós é dedicado à luta pela liberdade política - era lançada, nos fundos da Casa de Correção, na Rua Frei Caneca, a pedra fundamental do primeiro asilo criminal brasileiro, que seria inaugurado a 30 de maio do ano seguinte. Cumpria-se assim, como expressou um "desvanecido" Juliano Moreira em seu discurso, "uma velha aspiração não só dos alienistas nacionais, mas ainda dos jurisconsultos e magistrados desse país, que de há muito viam conosco a inadiabilidade desta construção" (<i>JC</i>, 22/04/1920, 2ª p.).</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Frente a uma concepção cientificista da pessoa humana, da qual o criminoso nato não era senão um dos fetiches, havia necessidade, como bem defendiam os membros da Escola Positiva de Direito Penal, de mudanças profundas, radicais e globais das leis, dos procedimentos processuais e das instituições penitenciárias. Desse ponto de vista, o MJ não parece ter sido apenas uma solução adequada ao destino a ser dado a determinados tipos de alienados, mas também uma maneira de conter em limites mais ou menos precisos os efeitos de um conflito entre ciência e moral, cuja extensão ameaçava as instituições liberais como um todo. Para os que consideravam o criminoso nato uma idéia absurda, um atentado contra a liberdade individual ou um expediente para inocentar criminosos, o manicômio judiciário, por não deixar de ser uma prisão, parecia solução satisfatória. Para os defensores da idéia de criminoso nato, para os quais a liberdade humana era apenas mais uma frágil e enganadora ilusão, ele não deixava de ser uma casa de tratamento e regeneração, onde, à revelia do direito instituído, alguns criminosos poderiam ser segregados perpetuamente. Um modelo talvez daquilo em que, um dia, deveria se transformar todo o sistema penal.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>CONSIDERAÇÕES FINAIS</b></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Como apontado ao longo desse artigo, os manicômios judiciários não foram primordialmente pensados para abrigar, de um modo geral, qualquer doente mental ou alienado que cometesse crimes. Destinavam-se especialmente aos criminosos considerados como "degenerados", "natos", "de índole", "anômalos morais". Todas essas categorias são versões distintas do que viria a ser chamado mais tarde de "personalidades psicopáticas" ou "sociopatas". Asilos e prisões se mostravam incapazes de recebê-los porque tais delinqüentes eram percebidos ora como habitantes de uma região intermediária entre a sanidade e a loucura ou entre a irresponsabilidade e a responsabilidade moral, ora como habitantes de uma região em que tais termos não faziam mais qualquer sentido.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">É desse ponto de vista que podemos pensar a estrutura ambígua dos manicômios judiciários como a "solução final" de um conflito histórico. As conseqüências que tal estrutura acarreta para os internos são ainda mais iníquas, aos olhos de um observador contemporâneo, pois o próprio conflito que a originou está em larga medida ultrapassado. As categorias para as quais se destinava originalmente foram aos poucos consideradas não-científicas (como as de "anômalo moral", "degenerado" ou "criminosos nato") ou se tornaram residuais no pensamento psiquiátrico (como no caso das "personalidades psicopáticas"). É interessante notar que, a partir de determinado momento, muitos psiquiatras passaram a considerar o manicômio como uma instituição que não deveria mais se dedicar à contenção daqueles para os quais ela fora criada. </span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Por exemplo, já em 1951, em estudo sobre a questão das personalidades-psicopáticas frente à legislação penal brasileira, Heitor Pereira Carrilho, que em 1920 defendera a construção dos manicômios judiciários justamente para a repressão dos "anômalos morais", afirmava que o manicômio judiciário deveria ser uma instituição "de cunho mais hospitalar", não sendo adequada ao abrigo das "personalidades-psicopáticas".</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Desse modo, é possível pensar que, se ao menos originalmente havia uma adequação formal entre a estrutura do MJHC e as figuras que ele se propunha a abrigar - um semi-hospício ou semi-prisão para semi-loucos ou semi-criminosos, essa adequação formal foi, entretanto, desaparecendo ao longo do século XX e, hoje, nos encontramos frente a um semi-hospício ou semi-prisão que recebe indivíduos considerados doentes mentais.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Por fazer parte do sistema penitenciário, não é de surpreender que manicômios judiciários sejam um dos espaços mais impermeáveis às transformações pautadas na defesa dos direitos humanos dos pacientes e na sua des-hospitalização. Nesse caso, colocar-se ao lado dos pacientes é defender a própria extinção desse tipo de instituição e uma profunda reforma da legislação que a suporta, pois, como há três décadas escrevia um dos expoentes da antipsiquiatria, Thomas Szasz<sup>18</sup>: "Para o 'paciente-delinquente' não existe nem absolvição para a sua culpa, nem tratamento. Isso não é mais que um método cômodo para 'se livrar' de indivíduos que apresentam certos comportamentos anti-sociais" (p.148).</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;">Para finalizar, talvez seja pertinente propor a reflexão de que foi justamente o caráter ambíguo e contraditório dos manicômios judiciários que assegurou que as engrenagens da Justiça continuassem operando, mesmo sob a condição de terem, como no caso dos loucos-criminosos, de produzir graves e irreversíveis injustiças. Talvez possamos mesmo considerá-lo um dos principais dispositivos práticos que nos permitem continuar vivendo em sociedades nas quais, como bem percebeu o antropólogo inglês E. E. Evans-Pritchard<sup>19</sup>, os homens são vistos simultaneamente como livres e escravos, sujeitos e objetos, inocentes e pecadores; e onde confusão, contradição ou irracionalidade são sempre vistos como atributos de povos que habitam terras longínquas, onde vivem imersos em estranhos rituais. Espero que o resgate da "história" do surgimento dos manicômios judiciários em nossa sociedade possa iluminar os desafios e contradições que a instituição continua a colocar àqueles que se preocupam com o destino social dos homens e mulheres que neles continuam a ser confinados.</span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span style="font-family: Verdana, Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>FONTE E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: </b></span><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><a href="http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt">http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0104-12822010000100004&script=sci_arttext&tlng=pt</a></span></div>
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<b>IMAGEM</b>:<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><a href="http://fopspr.wordpress.com/2011/01/27/documentario-sobre-manicomio-judiciario-na-bahia-concorre-a-premio/">http://fopspr.wordpress.com/2011/01/27/documentario-sobre-manicomio-judiciario-na-bahia-concorre-a-premio/</a></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-60330571789478005602011-10-15T10:48:00.000-03:002011-10-15T10:49:03.690-03:00Evento PPGA UFF- Histórias mínimas: polícia e contravenções na cidade de Buenos Aires<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzhMoSUfi2sKyfwusQ1uOur899bfsWrQciDujR-p0sNjMwT0tulSaAFP1KiGc_efXk2GOgtFphd8a5xZK6wJ00IrzHl3F5Vq62E4Dco_USENvZTQMWJ-1tVroZp2yNlLYZpLcndufpjYfS/s1600/318632_305880686095098_100000195088893_1438794_2127153816_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzhMoSUfi2sKyfwusQ1uOur899bfsWrQciDujR-p0sNjMwT0tulSaAFP1KiGc_efXk2GOgtFphd8a5xZK6wJ00IrzHl3F5Vq62E4Dco_USENvZTQMWJ-1tVroZp2yNlLYZpLcndufpjYfS/s640/318632_305880686095098_100000195088893_1438794_2127153816_n.jpg" width="452" /></a></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-30088534704946374152011-10-07T23:49:00.000-03:002011-10-07T23:52:04.714-03:00Palestra com o professor doutor José Guilherme Cantor Magnani, sobre Antropologia Urbana, etnografia e metodologia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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Parte 1</div>
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Parte 2</div>
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Parte 3</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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Parte 4</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-48635793667483814532011-10-01T10:06:00.007-03:002011-10-01T10:08:01.878-03:00A ciência do esculacho<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif;"><span style="color: #333333; display: inline; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;"><b>Enviado por Paulo Thiago de Mello</b></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif;"></span><br />
<div class="IdentificadorPost" style="background-image: url(http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/_img/iconeB!.gif); background-position: 100% 50%; background-repeat: no-repeat no-repeat; display: block; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 25px; padding-top: 10px; text-align: right; width: auto;">
-<br />
<h5 class="data" style="color: #ff6600; display: inline; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif; line-height: 12px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px; word-spacing: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">
01.10.2011</span></h5>
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<h5 class="hora" style="color: #ff6600; display: inline; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif; line-height: 12px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px; word-spacing: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">
08h15m</span></h5>
</div>
<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="408581" style="color: #082c66; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px; text-decoration: none;"></a><br />
<div class="cntr" style="clear: both; color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px; text-align: center;">
<img alt="" class="" src="http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2011/09/110_3031-esculacho.jpg" style="float: none; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 10px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;" title="Foto do livro 'Esculhamba, mas não esculacha!', de Lenin Pires (Divulgação)" /></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<em style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;"><span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;"><span style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;"><strong style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Esculhamba, mas não esculacha! — Uma etnografia dos usos urbanos dos trens da Central do Brasil</strong>, de Lenin Pires. EdUFF, 172 páginas. R$ 33 </span></span></em></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Quando decidiu tomar como objeto de sua dissertação de mestrado o comércio informal de ambulantes nos trens que ligam as zonas Oeste e Norte e a região metropolitana fluminense à Central do Brasil, o antropólogo Lenin Pires se viu confrontado pela expressão “esculacho”, que, por seu poder de iluminar certa realidade social, se tornou um guia condutor de sua reflexão. Foi em 2003, durante uma reunião entre camelôs que se organizavam para negociar com a Supervia o que consideravam ser uma espécie de legalização de sua atividade nos trens e estações, e, assim, evitar o “derrame", isto é, a tomada de seus produtos por agentes de segurança.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Na reunião, diz Pires, “um camelô, em sua expressão cansada, olhar cabisbaixo, comentou baixinho com um colega: ‘O derrame eu até entendo. O derrame é do jogo, tudo bem. O problema é o esculacho’”. No dizer antropológico, derrame e esculacho são categorias nativas, expressões do grupo estudado que qualificam de forma clara os limites morais da realidade que vivem. Mas, diferentemente de derrame, esculacho, no sentido dado pelas pessoas pesquisadas, descortina um sistema de relações e valores. Esculacho é uma forma intolerável de desrespeito, desconsideração e negação do outro, que se situa no limiar da exclusão social. Extrapola, portanto, a regra do jogo, e entra no campo do insulto moral, pois, além de submeter o ator à ordem já desigual, ainda o humilha.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">No prólogo, o autor dá um outro exemplo de esculacho, dessa vez coletivo, com consequências devastadoras. Pouco antes das 8h de uma manhã de agosto de 1996, quando o sistema ferroviário era administrado pela Companhia Estadual de Trens Urbanos (Flumitrens), a estação do Engenho de Dentro, estava lotada: as composições, mais uma vez, rodavam com atraso. Situação que não apenas trazia o desconforto da espera, enquanto a plataforma enchia cada vez mais, mas se estendia, em suas consequências, ao repertório de explicações ao qual os usuários se veriam obrigados a recorrer para justificar no trabalho o atraso.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Mas como o que é ruim sempre pode piorar, a notícia chegou pelo boca a boca e tomou conta da plataforma: um outro trem, que seguia da Central do Brasil para Deodoro, descarrilara e todos os ramais de acesso ao Centro do Rio estavam bloqueados, afetando cerca de 400 mil pessoas. Por volta das 8h30m, em meio à tensão crescente, um funcionário da Flumitrens informa pelo sistema de som da estação de Engenho de Dentro: “Atenção senhores passageiros, a Flumitrens informa: o trem não tem condições de continuar. Vocês vão ter que se virar para conseguir condução.” <br style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;" /><br style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;" />Tomadas como um insulto, as palavras do funcionário da Flumitrens desencadearam um dos maiores quebra-quebras da cidade. Trens, plataformas, bilheterias e trilhos foram destruídos numa onda de fúria que só não acabou no linchamento de funcionários, porque eles se esconderam ou fugiram. O caos durou cerca de uma hora e só foi interrompido com a chegada da tropa de choque da Polícia Militar. Moral da história: esculhamba, mas não esculacha.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">É por meio de categorias nativas como esculacha que o antropólogo tira da sombra a realidade dos camelôs que circulam nos trens da Central, vendendo todo tipo de mercadoria. Ele descreve e analisa suas estratégias para sobreviver, as formas como narram o drama de seu trabalho, as várias identidades que assumem ao longo da jornada e, sobretudo, como se relacionam com a Supervia.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Durante anos, Pires percorreu quase diariamente os trens entre o subúrbio carioca e a Central do Brasil, focando seu olhar na prática dos vendedores ambulantes. Isso permitiu que ele discutisse uma série de questões em torno da informalidade sem se restringir ao cumprimento da lei e das normas. Com isso, ele enriqueceu uma reflexão importante, sobretudo nesses tempos de choque de ordem, deslocando o problema para além da legalidade. Ao descrever o ritual diário desses ambulantes em sua relação com os vários níveis de autoridades e com os passageiros, o antropólogo lançou luz sobre velhos problemas da sociedade brasileira, como desigualdade social, informalidade, flexibilização de regras, jeitinho, entre outras formas peculiares de administração de conflitos. <br style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;" /><br style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;" />Pires também apresenta no livro uma reflexão epistemológica importante sobre a antropologia urbana brasileira, ao descrever sua formação, ou melhor, sua “conversão” de sindicalista em cientista social, contrastando os ritos da militância sindical com aqueles da academia no que se refere à realização de pesquisa científica. Esse processo de aguda reflexividade permitiu ao antropólogo olhar por trás dos estereótipos.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Além disso, como pesquisador associado ao Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisa (Nufep), da Universidade Federal Fluminense — coordenado pelo professor Roberto Kant de Lima —, Pires faz parte de uma geração de pesquisadores urbanos, que se caracteriza pela ênfase no trabalho de campo.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">Fiel a essa linhagem, Pires trabalha com distintas matrizes teóricas para tratar, de forma competente, a complexidade dos problemas sugeridos pela etnografia. Talvez essa seja uma das marcas mais criativas da antropologia urbana brasileira: não ter o pudor de usar variados instrumentos e métodos para trabalhar os problemas que o campo sugere. Segue-se, assim, um caminho alternativo ao de certo formalismo, que, por solene deferência ideológica, busca encaixar a realidade empírica em uma lógica rígida, definida a priori.</span></div>
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-family: Verdana; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;"><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">Fonte:</span></span><span class="Apple-style-span" style="color: black;"><a href="http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/10/01/a-ciencia-do-esculacho-408581.asp#.TocAblfcw9M.facebook">http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/10/01/a-ciencia-do-esculacho-408581.asp#.TocAblfcw9M.facebook</a></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif;"></span><br />
<div style="color: #333333; margin-bottom: 10px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, freesans, sans-serif; font-size: 11px;">
</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-20838696598438141452011-09-23T21:02:00.001-03:002011-09-23T21:03:59.587-03:00Seminário PPGA pesquisadores argentinos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj6HzACVK1bLMBQGc9KrKQIsDguO5obTQ6sZxXFntESuh2fcAFU_CVi3M5ubvpPWPLJHrIB20St0JS_ITCHZsMc1ROFYGxPGMSsLSD0GAFsyN_gJw4C_KCdLKblRcCwdwDn-69KIZ4qHy5/s1600/untitled.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj6HzACVK1bLMBQGc9KrKQIsDguO5obTQ6sZxXFntESuh2fcAFU_CVi3M5ubvpPWPLJHrIB20St0JS_ITCHZsMc1ROFYGxPGMSsLSD0GAFsyN_gJw4C_KCdLKblRcCwdwDn-69KIZ4qHy5/s640/untitled.JPG" width="452" /></a></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-45872617867755140632011-09-23T00:00:00.000-03:002011-09-23T00:11:13.641-03:00Justiça Militar: formas e práticas de controle da Polícia Militar Fluminense<b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b><br />
<b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b><br />
<b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">SABRINA SOUZA DA SILVA </span></b><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJwIhQ7BT2AB69d0rQJVmeRzloaBNFzx8GSmLCZK4m7Td8ZCajEvK3TgEm14BmdvBCeT-Iemf1x_AI7w4qcfy-WDhs8x8_3ho0mE8J3Az8OOcejWZwxvGUjB454kNM20mN6q9SHy2ekgz6/s1600/SOLDADOS_PM_RJ.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="271" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJwIhQ7BT2AB69d0rQJVmeRzloaBNFzx8GSmLCZK4m7Td8ZCajEvK3TgEm14BmdvBCeT-Iemf1x_AI7w4qcfy-WDhs8x8_3ho0mE8J3Az8OOcejWZwxvGUjB454kNM20mN6q9SHy2ekgz6/s400/SOLDADOS_PM_RJ.jpg" width="400" /></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Introdução </b></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesta comunicação pretendo colocar sob descrição mecanismos institucionais de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">controle da atuação da Polícia Militar Fluminense, como a Justiça Militar Estadual - </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">responsável por processar réus policiais e bombeiros militares nos crimes militares definidos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">em lei, além de decidir sobre a perda do posto e da patente de oficiais e da graduação de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">praças. Buscarei entender quais os mecanismos institucionalmente acionados para </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">implementar os valores oficiais ou oficiosos da Polícia Militar Fluminense, na ocorrência de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">transgressões, como os assim denominados “desvios de conduta”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A pesquisa que resultou neste trabalho foi iniciada em abril de 2009 através do projeto </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">“A imprevisibilidade na administração institucional dos conflitos em público e o “braço da </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">lei”: práticas policiais e formas de controle da atuação da Polícia Militar Fluminense.”, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">financiado pelo CNPq e executado por mim para meu doutoramento. A metodologia utilizada </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">caracterizou-se pela observação direta em audiências e julgamentos da Auditoria da Justiça </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Militar do Estado do Rio de Janeiro e realização de entrevistas com o Juiz Auditor desta </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">mesma auditoria. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) invoca sua “origem” na criação da </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Guarda Real de Polícia, instituição organizada militarmente, criada por D. João IV em 1809 </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">para manter a ordem. Afirma a instituição, através de seus documentos e prota-vozes </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">autorizados. Durante este ano a PMERJ está comemorando 200 anos com diversas </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">festividades. Apesar de ter passado por pequenas reformas e mudanças de nomes, conseguiu </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">manter a continuidade na sua composição e missão - manter a ordem e tranqüilidade pública - </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">desde outubro de 1831. Até hoje a PMERJ mantém a coroa do rei enfeitando seu brasão e tem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">a sua Academia, de formação de oficiais, denominada Dom João VI. No entanto, por que a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">prática de policiamento ostensivo é realizada por uma polícia militarizada? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Justificado pelos freqüentes problemas disciplinares entre pedestres e guardas </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">nacionais, no seu período inicial, e entre guardas urbanos, posteriormente, a estrutura militarizada se manteve, principalmente por valorizar a disciplina, a hierarquia e a obediência, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">além da solidariedade corporativa e das rígidas normas internas. Estes mecanismos faziam </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">com que membros livres das classes inferiores se transformassem em soldados da polícia </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">militar e, por isso, armados e uniformizados, favorecessem, mais do que comprometessem, o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">objetivo geral da ordem e da tranqüilidade pública. Para tal era necessário um rígido controle </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">interno e uma série de punições para impor a obediência destes policiais. Tais punições iam </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">desde algumas horas de marcha forçada com pesadas mochilas nas costas até longos períodos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">de reclusão e, como medida extrema, a expulsão, a que se recorria somente depois de terem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">falhado as tentativas de punição. Ao ser contratado, o soldado da polícia militar concordava </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">em submeter-se a essa rígida disciplina e hierarquia militar da corporação reproduzindo-a nas </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">suas relações dentro da instituição (Holloway, 1997). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ora, a questão que se coloca é que, embora justificável em regimes monárquicos ou </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">imperiais, a existência de uma polícia “militar” não se adequa aos ideais republicanos. O fato </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">é que, depois da Independência, essa polícias não se extinguem, mas se transformaram em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">pequenos exércitos estaduais, vindo a ser destituídas desse status pela ditadura que se </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">implantou em 1964, quando passam a ser controladas pelo Exército. Refeita a ordem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">democrática, entretanto, as polícias militares sobrevivem à constituição de 1988, ainda </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aparelhadas com um aparelho judicial próprio, caracterísca exclusiva das Forças Armadas, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aonde existe. Tais fatos justificam um olhar mais demorado sobre essas características </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">policiais exóticas, para conhecer-lhes as funções e significados. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A prática de policiamento ostensivo</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No Brasil, cabe às polícias militares, segundo o artigo 144 da Constituição Federal, a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">prática de policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Nunca se delegou </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">formalmente a esta corporação o poder de prender, fundamental função do policial do mundo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">moderno. Certamente, em toda sua história, efetuaram numerosas detenções, porém sempre </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sob o controle civil mais direto (Holloway, 1997). As polícias civis se incumbem das funções </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as de natureza militar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em princípio, toda atuação do policial militar na rua deve ser registrada em um </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">documento conhecido como Talão de Registro de Ocorrência (TRO). Este contém </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">informações básicas sobre o acontecido (horário, local, pessoas envolvidas). Se o policial </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">militar decidir levar o caso para a delegacia, ele deverá contar, diante do policial civil, sua </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">versão do ocorrido. A partir daí sua atuação (e, portanto, a interpretação dos fatos) fica </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">submetida à Polícia Civil. A versão apresentada na delegacia pelo policial militar é considerada provisória, pois a versão definitiva do caso, relatada no Registro de Ocorrência e, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">posteriormente, no inquérito policial, é a da Polícia Civil. Logo depois de relatada pelo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">policial militar, a mesma é monopolizada, primeiro, pela Polícia Civil e, depois, pelo sistema </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">judiciário, permitindo que diferentes lógicas de produção da verdade sejam usadas alternada e </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">alternativamente e que, eventualmente, as verdades por elas produzidas se desqualifiquem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">umas às outras, o que redunda em verdadeira “dissonância cognitiva”, tanto para os </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">operadores do sistema como para a população em geral. A produção da verdade não é </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">negociada, pois é fruto das representações contraditórias desta verdade: assim, sempre uma </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">tese (posição) perde e a outra ganha, não podendo haver consenso (Kant de Lima, 2008). O </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">policial militar pode, também, ser chamado para relatar sua versão dos fatos em juízo, neste </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">caso como testemunha. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esta forma hierarquizada e logicamente conflitante da construção da verdade jurídica </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- a da polícia, sigilosa e inquisitorial, e a do judiciário, pública e contraditória - faz com que a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">justiça, exercida de acordo com o que está na lei, seja percebida, pelos policiais, como falha </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ou insuficiente e, por isso, não confiável. Como mencionado, quando atua em uma ocorrência </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">criminal, o policial militar pode comunicar, ou não, tal ocorrência à Polícia Civil. Em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">pesquisa realizada por Ramos & Musumeci (2004) na cidade do Rio de Janeiro em junhojulho de 2003, objetivando conhecer experiências da população carioca com a polícia, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">especialmente em situação de abordagem, constatou-se que apenas 1,9% das abordagens </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">realizadas são encaminhadas a uma delegacia. Afirmar isto não significa que todas as vezes </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">que a polícia militar administra um conflito tal evento deva ser criminalizado, porém não </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">podemos deixar de chamar a atenção para o fato de que a polícia interfere em eventos sempre </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">valorizando mais aqueles casos classificados por pela própria polícia militar como criminal. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como afirma Guedes (2008) sobre o sistema classificatório das “ocorrências” da Polícia </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Militar “o valor maior atribuído ao código 001- crimes fica duplamente evidenciado: </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">primeiro, pelo investimento maior na diferenciação interna das ocorrências criminosas, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">impondo-se a atuação diante de comportamentos e situações classificados como criminosos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">como a principal das funções precípuas da Polícia Militar, na interpretação institucional de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um aparato legislador muito amplo e diversificado; segundo, pela sua numeração. Na verdade, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">em termos de valor, poderíamos dizer que é o primeiro e não apenas o número um”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Porém, valorizar mais as ocorrências criminais não significa que tais eventos sejam </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">judicializados por estes policias. Neste contexto, a punição, exercida pelos próprios policiais </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">no momento da ocorrência, seria interpretada por eles como um recurso a essa justiça que se </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">faz com as próprias mãos (DaMatta,1983). Assim, a polícia exercita funções judiciárias para punir aqueles que ela percebe como merecedores de castigo, utilizando ideologias e </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">estereótipos mais do que categorias legais para isto (Paixão, 1987; Kant de Lima, 1995); ou, </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">assim como já mencionado, pode se omitir de aplicar a lei caso considere que a pessoa não </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">mereça ser punida. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Neste contexto, apesar da legislação impor uma série de restrições à ação policial, ao </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">mesmo tempo lhe confere certa autonomia operacional, justificada pela imprevisibilidade das</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ocorrências ou das demandas que norteiam sua ação (Monjardet, 2001). Assim, eles podem,</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">de fato, decidir se deverão, ou não, encaminhar um caso no qual estão atuando à delegacia, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">pois são eles a autoridade ali presente. Com a possibilidade de selecionar os casos de acordo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">com o que vai ao encontro aos seus interesses e, especialmente, de acordo com os critérios de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">atuação que considerarem apropriados à situação específica e aos atores envolvidos nela e, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">não, de acordo com a lei. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, esta não é a estrutura das instituições de controle da sociedade brasileira, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">pois aqui as polícias devem agir sempre de acordo com as leis e não segundo critérios </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">subjetivos: não há “discretion”, ou oportunidade de agir. Assim, estes policiais estão </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">permanentemente ameaçados de serem “culpabilizados” por erros e omissões que contrariem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">suas obrigações legais. Com isso há relevantes conseqüências na eficiência de mecanismos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">de controle da atividade policial, contribuindo para que os efeitos da punição sobre os agente </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">e autoridades policiais não sejam internalizados positivamente (Kant de Lima, 2008a). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>O Inquérito Policial Militar</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A apuração do crime militar ocorre através do Inquérito Policial Militar (IPM). Este </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">inquérito, da mesma forma que o Inquérito Policial, se destina a reunir elementos necessários </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">à apuração de uma infração penal - no caso, um crime militar - e de sua autoria (Código de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Processo Penal Militar, Título II, do Livro I, Arts. 9º a 28). Tem um caráter de instrução </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">provisória, cuja finalidade é a de ministrar elementos necessários à ação penal, ou seja, é peça </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">preparatória, informativa, em que se colhem dados e se realizam diligências, como auto de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">flagrante, exames periciais, interrogatórios e depoimentos, reconstituições, acareações, etc. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O IPM pode ser instaurado de duas maneiras diferentes: quando um Comandante de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um Batalhão entende que um dos policiais de sua unidade tenha cometido algum crime </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">militar. Ou pode ser instaurado pela Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), que são </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">quatro no Estado do Rio de Janeiro. As DPJM são subordinadas a Corregedoria Interna da </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Polícia Militar. Nestas delegacias há um Chefe, normalmente um Coronel da Polícia Militar, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">e um subchefe, além de policiais militares tanto oficiais quanto praças. Na corregedoria interna da PM ainda há um Centro de Criminalística da Polícia Militar do Rio de Janeiro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando um IPM é instaurado é designado em ambos os casos um Policial Militar </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">para proceder o inquérito. Este policial militar, encarregado pelo inquérito, depois de feita a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">denúncia comparecerá a Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro como testemunha para </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">confirmar seu relatório no inquérito e esclarecer questões sobre suas investigações. Em muitos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">casos, acompanhados por mim, estes policiais eram as únicas testemunhas nos casos. A </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">investigação deverá ser realizada com um prazo de trinta dias, prorrogável por mais trinta, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">para realização das investigações e ao final é entregue um relatório destas para o Comandante </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">da Unidade ou para o Chefe da Delegacia. Se ficar comprovado que as suspeitas procedem, a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">denúncia é encaminhada para o Ministério Público da Auditoria Policial Militar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O Inquérito Policial Militar tem quatro características, conforme preceitua o Art. 21, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">do Código de Processo Penal Militar: em primeiro lugar é um procedimento administrativo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">informativo, destinado a fornecer ao representante do Ministério Público (Promotor de Justiça </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">designado para atuar na Justiça Militar) os elementos de convicção para a ação penal. Possui </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um caráter formal devendo ser elaborado por escrito. Deve ser sigiloso, pois esta seria a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">principal característica do inquérito que visa à elucidação dos crimes e a identificação de seus </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">autores. E por fim, inquisitivo, isto é, suas atividades persecutórias devem concentrar-se nas </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">mãos de uma única autoridade, podendo agir por sua própria iniciativa, empreendendo, com </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Justamente por ser inquisitivo, não se aplicam ao inquérito os princípios do contraditório e da </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ampla defesa (se ainda não há uma acusação, não há que se falar em defesa). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A Justiça Militar do Estado do Rio de Janeiro: Auditoria da Justiça </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Militar e Conselhos de Justiça </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando feita a denúncia à Auditoria Militar o destinatário imediato do IPM é o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ministério Público Militar que denunciará, ou não, os acusados. Um Juiz de direito, chamado </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Juiz Auditor, é responsável pelo Tribunal Militar, competindo a ele processar e julgar, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">disciplinares militares. Já ao Conselho de Justiça, sob a presidência do Juiz Auditor, cabe </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">processar e julgar os demais crimes militares (Emenda Constitucional nº 45 de 30 de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">dezembro de 2004, art. 125 § 3). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os crimes podem ser classificados como crimes militares próprios e crimes militares </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">impróprios. Os crimes militares próprios são aqueles relacionados com as atividades </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">institucionais desenvolvidas pelos policiais militares, como insubmissão, deserção, abandono de posto, entre outros. Os crimes militares impróprios são aqueles que também possuem a sua </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">previsão no Código Penal, praticado por policial ou bombeiro militar, porém sem estar </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">relacionado com atividades propriamente militares, como o furto, o roubo, o tráfico de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">entorpecentes, latrocínio, entre outros. Há ainda aqueles crimes que estão previsto no Código </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Penal e não estão previstos no Código Penal Militar praticados por policiais militares, estes </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">crimes correspondem a maior parte dos crimes denunciados a Auditoria da Justiça Militar do </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Rio de Janeiro, somando desde 2000 85,32% dos casos denunciados. No entanto, estes </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">últimos casos podem ser processados e julgados tanto pela Auditoria da Justiça Militar como </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">pela Justiça Comum. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como dito acima, compete ao Conselho de Justiça a instrução criminal e o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">julgamento dos processos em primeira instância da Justiça Militar. Assim como a própria </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Polícia Militar, que é dividida entre oficiais e praças, estes Conselhos de Justiça também são </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">organizados de maneiras diferentes para estas duas categorias. </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos casos de processo e julgamentos de praças da Polícia Militar (soldados, cabos, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sargentos e subtenentes), nos crimes militares definidos em lei, estes Conselhos de Justiça são </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">permanentes, com exceção de casos que envolvam oficiais e praças. Uma vez constituído o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">conselho permanente de justiça funcionará durante três meses consecutivos, coincidindo com </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">os trimestres do ano civil. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Já competência de processar e julgar os Oficiais da Polícia Militar (aspirantes a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">oficial, tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis), nos delitos previstos na </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">legislação penal militar, será de um Conselho Especial de Justiça. Nestes casos o conselho é </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">constituído para cada processo e dissolvido após a conclusão dos trabalhos, reunindo-se </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">novamente a cada ato processual. Os Policiais Militares que integram os Conselhos Especiais </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">serão de posto superior ao acusado ou do mesmo posto e de maior antiguidade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos casos da </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">acusação abranger Oficial e Praça, também se comporá um Conselho Especial de Justiça para </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">o processamento e julgamento do caso. Esse conselho especial é denominado Conselho de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Justificação. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O Conselho Permanente de Justiça, bem como o Conselho Especial, é composto por </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um Juiz de Direito, chamado de juiz auditor, membro do Poder Judiciário Estadual, e por </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">quatro Juízes Militares, sorteados entre os Oficiais da ativa da Polícia Militar disponíveis no </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">momento, ambos presididos pelo Juiz de Direito. Os conselhos se reúnem nos dias de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">julgamento e quando houver audiências, depoimentos e oitivas. A sentença é decidida por </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">votação de todos os membros do conselho e a decisão é por maioria. O Juiz Auditor fica </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">encarregado de proferir a sentença em todos os casos da Auditoria da Justiça Militar. Nas audiências e julgamentos o Juiz de Direito senta ao cento da mesa a sua esquerda </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fica o policial de patente mais alta e que está a mais tempo na corporação, chamado de mais </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">antigo, a direita do juiz senta o segundo mais antigo da corporação, a esquerda do mais antigo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">senta-se o terceiro mais antigo e a direita da segundo mais antigo senta-se o que está a menos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">tempo na corporação, chamado de “mais moderno”. Nesta mesma ordem cada policial militar </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">se coloca durante o ritual e no memento de proferir a sentença. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O rito processual foi descrito pelo juiz auditor do Estado do Rio de Janeiro, em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">entrevista, como sendo igual ao antigo rito do Código do Processo Penal, se referindo ao </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Código do Processo Penal antes das mudanças que ocorreram em 2008 (art.396-A da Lei nº </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">11.719 de 20 de junho de 2008), em que não havia defesa prévia, se iniciando com o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">interrogatório, sendo seguido pela audiência das testemunhas arrolada com a denúncia, a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">audiência com as testemunhas arroladas pela defesa, diligências, alegações e, por fim, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sentença. Quando são casos em que há um Conselho de Justiça após as alegações finais é </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">marcada uma Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ) em que há um julgamento oral, o </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">juiz entrevistado comprara este julgamento a um “mine júri”, somente o diferenciando por ser </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um julgamento aberto, neste caso, o juiz auditor não se reúne particularmente com os outros </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">quatro juizes militares, como acontece entre os jurados no Tribunal do Júri. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Depois de dada a sentença a Vara de Execuções Penais fica responsável pela </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">aplicação da pena. E, se o policial militar for condenado à prisão, ele cumprirá sua pena em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um Batalhão Especial Prisional. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Conclusão </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Dissertações de Mestrado (Silva, 2006; Caruso, 2004) tem demonstrado que, na sua </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">atividade de policiamento ostensivo, os policiais militares criam sobre os casos em que atuam </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um sentido determinado de “justiça”. Nestes casos, o direito e a obrigação legal são </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">considerados relativos à posição na ordem social. Isto é, o que é “justo” para uns pode não </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">ser, necessariamente, o “justo” para outros (Geertz, 1997). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">São os policiais que têm o poder de “criminar” um fato, interpretando a sua maneira </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">o que é ou não crime (Misse, 1999) e também de “incriminar” um agente, pois são eles que </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">representam uma das autoridades que podem abordar uma pessoa e dizer se ela é ou não </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">suspeita ou criminosa, se ela cumpre ou não a lei. Podendo haver, então, nestes momentos, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">uma “judicialização da desigualdade” (Kant de Lima; Misse & Miranda, 2000), garantindo </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">assim um tratamento desigual segundo estigmas estabelecidos socialmente e utilizados pela</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">polícia para nortear seu trabalho. Assim, uma das funções da polícia se caracteriza por ser eminentemente </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">interpretativa, partindo não só dos fatos mas, principalmente, do lugar de cada um na estrutura </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">social e, até mesmo, da área geográfica da cidade (Kant de Lima; Eilbaum e Pires, 2008b), </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">para conceber a correta aplicação das regras de tratamento desigual aos cidadãos, aqui </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">definidos como jurídica e estruturalmente desiguais; trabalhando com uma ética que nem </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sempre é legal, mas que é legítima (Gonçalves, 2005), punindo aqueles julgados por ela como </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">merecedores de castigo. Esta punição não está necessariamente ligada ao direito e, sim, a um </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">sentimento de cumprimento do dever, interpretado a partir de ética policial, que serve de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">fundamento a uma interpretação autônoma da lei. No entanto, esta ética não é definida de </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">maneira homogênea no meio policial (Kant de Lima, 1995). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por isso mesmo, é de relevância crítica a observação dos julgamentos das auditorias, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">em que esses valores e representações devem se explicitar de diferentes maneiras, em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">contextos específicos, relativos a casos concretos, que envolvem policiais de diferentes </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">posições na hierarquia institucional, administrando conflitos entre partes juridicamente </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">“iguais“ e “desiguais”, como é o caso, por exemplo, dos oficiais e praças da corporação. </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A Polícia Militar, muitas vezes, atua condensando as funções do Sistema de Justiça </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Criminal, julgando, condenando e punindo no mesmo momento em que está intervindo em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">uma ocorrência. Essa atitude prática é possibilitada pela imprevisibilidade da ação da Polícia </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Militar em uma ocorrência. Neste sentido, os critérios baseados em uma ético própria que </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">orientam a atuação da polícia militar na administração de conflitos e seus mecanismos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">institucionalmente acionados para implementar os valores oficiais ou oficiosos da instituição, </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">na ocorrência de transgressões, como os assim denominados “desvios de conduta”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesse caso, é necessário levar em conta que as representações sobre corrupção </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">policial no Brasil são olhadas de formas diferentes. Em uma versão, pode ser designada como </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">“desvio de conduta” de um policial, colocada dentro de uma ideologia da “maçã podre”, com </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">a descoberta e punição de um erro individual. Esta representação se confronta com uma outra, </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">amplamente divulgada pela mídia, de que haveria uma corrupção generalizada dentro das </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">instituições policiais. Assim, o sistema de controle das atividades policiais, parte do sistema </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">mais amplo de controle da burocracia brasileira, estimula certos comportamentos coletivos </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">que tornam difícil, muitas vezes, tanto para membros, como para não-membros das </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">corporações, identificar o que é e o que não é “corrupção” em casos específicos; além de essa </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">categoria, ela mesma, comportar distintas definições (Kant de Lima, 2008 a). </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como as polícias estão sempre sobre suspeita de estar negociando o que não devem é </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">justificado sua posição em um patamar “inferior do processo de elaboração, formalação e decisão das políticas de segurança pública, controladas da perspectiva do topo da pirâmide </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">por aqueles que se encarregam de definir quais sejam a ordem social desejável e possível em </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">um determinado momento da sociedade”(Kant de Lima, 2003:250). Nesta perspectivas os </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">policiais sempre podem ser culpabilizados por seus atos, pois mantém na hierarquia militar a </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">estrita obediência e a negação da autonomia destes policias em sua atuação. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>SABRINA SOUZA DA SILVA </b>é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense e mestre pela mesma instituição (2006). É Pesquisadora do NUFEP/UFF e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - INCT-InEAC. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: left;">
Para ver Bibliografia e fonte desse artigo, acessar: <a href="http://www.ram2009.unsam.edu.ar/GT/GT%2022%20%E2%80%93%20Violencia%20y%20Procesos%20Institucioneales%20de%20Administracion%20de%20Conflictos.%20Perspectivas%20Comparada/GT%2022%20-%20Ponencia%20(Silva).pdf">http://www.ram2009.unsam.edu.ar/GT/GT%2022%20%E2%80%93%20Violencia%20y%20Procesos%20Institucioneales%20de%20Administracion%20de%20Conflictos.%20Perspectivas%20Comparada/GT%2022%20-%20Ponencia%20(Silva).pdf</a></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: left;">
Imagens Google: <a href="http://www.google.com/">www.google.com</a></div>
</div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-23725672467084928552011-09-18T10:08:00.001-03:002011-09-18T10:11:04.912-03:00Percursos acelerados de jovens condutores ilegais: o risco entre vida e morte, entre jogo e rito<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Leila Sollberger Jeolás<sup>I</sup>; Hagen Kordes<sup>II</sup></b></span><br />
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><sup>I</sup>Universidade Estadual de Londrina - Brasil<br /><sup>II</sup>Westfälische Wilhelms-Universität Münster - Alemanha</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv9lr4RjPKT8zBdnp_oXk-Kzsz3zrO_775w-ccMYCsb5l7-VZFA5qT1zD9o_X8Vmv6sKIccQPJR1ZOT30TjFikD0WEsRyErVr5-RMkkqhyphenhyphen0XrSsPYxRj4Vnm9NO82XwxeKnblb9FVTDQCm/s1600/Burn_out_by_Sepaltura22.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="263" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjv9lr4RjPKT8zBdnp_oXk-Kzsz3zrO_775w-ccMYCsb5l7-VZFA5qT1zD9o_X8Vmv6sKIccQPJR1ZOT30TjFikD0WEsRyErVr5-RMkkqhyphenhyphen0XrSsPYxRj4Vnm9NO82XwxeKnblb9FVTDQCm/s400/Burn_out_by_Sepaltura22.jpg" width="400" /></a></span></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<hr noshade="" size="1" />
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>RESUMO</b></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com base em uma pesquisa de cunho etnográfico sobre "rachas" de carros e de motos, propomos questionar se a aceleração dos motores pode ser pensada como uma metáfora para a aceleração dos percursos fluidos, flexíveis e incertos desses jovens, próprios do contexto da "sobremodernidade". O objetivo é de compreender os significados atribuídos à experiência da velocidade e ao risco aí envolvido, a fim de analisar a relação entre condutas de risco juvenis e o papel dos ritos de passagem, conceito-chave na antropologia. Discutiremos o alcance e os limites de se compreender os "rachas", por um lado, como uma forma individualizada de ritualizar a passagem da infância à idade adulta e, por outro, como a expressão lúdica de uma forma de jogo-brinquedo. Como outras formas de culturas juvenis, os "rachas" podem ser compreendidos como linguagem de singularização e de pertencimento reforçada por valores e práticas de uma masculinidade hegemônica tradicional.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Palavras-chave:</b> aceleração, percursos, risco, ritos de passagem.</span></div>
<hr noshade="" size="1" />
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>Introdução</b></span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A pesquisa sobre "rachas" de carros e de motos,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top1"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back1"><sup>1</sup></a> cujo objetivo geral é de analisar os significados que os jovens atribuem à velocidade e ao risco aí implicado, inspirou vários questionamentos sobre os percursos arriscados<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top2"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back2"><sup>2</sup></a>desses jovens. Propomos, nos limites deste artigo, questionar se a busca da velocidade e da aceleração pode ser pensada como uma metáfora para os percursos de vida fluidos, flexíveis e incertos, próprios do contexto da "sobremodernidade".<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top3"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back3"><sup>3</sup></a> A partir da apresentação de alguns jovens "rachadores", discutiremos a relação entre condutas de risco juvenis e o papel dos ritos de passagem, conceito-chave na antropologia, examinando se ele é profícuo para a análise de fenômenos relativos à juventude no contexto atual.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Conceituar juventude se tornou uma tarefa complexa, em função da dificuldade de precisar seus limites iniciais e finais em face das profundas transformações sofridas pelos jovens atualmente. Para expressar essas mudanças, é esclarecedora a metáfora utilizada sobre a evolução dos transportes: no pós-guerra europeu as transições para a vida adulta podiam ser comparadas às viagens de trem, nas quais os jovens, dependendo do seu capital econômico e cultural, escolhiam destinos predeterminados; depois dessa época, as transições dos jovens podiam ser comparadas a viagens de automóveis, nas quais o condutor pode selecionar o seu itinerário entre um vasto número de alternativas, também dependendo de suas condições; atualmente, as transições são múltiplas, como em um labirinto rodoviário, no qual há sentidos obrigatórios e proibidos, alterações de trânsito, caminhos já utilizados e retomados, outros sem saída, provocando sensações de confusão, de reversibilidade e movimentos de vaivém ininterruptos.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top4"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back4"><sup>4</sup></a></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesse sentido, há um consenso entre vários autores de que as características das sociedades ocidentais contemporâneas afetam as transições dos percursos de vida, que não são mais claramente demarcadas por ritos comuns. As passagens são múltiplas, os percursos indeterminados<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top5"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back5"><sup>5</sup></a> e os ritos são "bricolados" pelos sujeitos, a partir de referências tradicionais e novas, na busca do sentido de sua existência, não podendo mais contar com ritos unívocos que propiciam significações coletivas.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De acordo com a bibliografia sobre o tema, os ritos atuais marcariam as passagens de maneira mais individual do que coletiva, de forma mais privada do que pública, possibilitando reforçar a construção de uma identidade original e individual, mas não um sentido de pertencimento coletivo ou de mudança de <i>status</i> social.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top6"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back6"><sup>6</sup></a> Em uma sociedade que não propicia referências estáveis, caberia aos jovens prefigurar eles próprios essas referências a partir de suas possibilidades e das circunstâncias existentes. Cabe, então, examinar se os percursos dos jovens "rachadores" apresentam essas mesmas características descritas e quais são os processos de bricolagem que realizam para poder atribuir sentido às suas vidas, à semelhança das bricolagens que fazem para transformar seus carros e motos. E, mais importante, cabe examinar o papel das condutas de risco nas possíveis ritualizações de passagem que esses jovens estariam realizando.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para tanto, tomamos como ponto de partida a proposta de Le Breton (2003, 2007a, 2007b), que compreende as condutas de risco juvenis " uso de álcool e de drogas, atitudes de violência, tentativas de suicídio, distúrbios alimentares " como manifestações de ritos individuais de passagem. Para o autor, uma parcela significativa de jovens sofre, atualmente, dificuldades para se integrar à ordem social e sente-se "em suspenso" e incerta quanto ao seu futuro, não podendo contar com respostas coletivamente elaboradas a propósito do valor e do sentido de sua existência. Eles recorreriam, dessa forma, segundo Le Breton (2003, p. 50), a "une forme clandestine et solitaire de symbolisation du goût de vivre".</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esse gosto de viver seria reencontrado no jogo inconsciente de interpelar a morte sobre o significado da vida e estaria presente, justamente, nessas condutas de risco. De acordo com o autor, contrariamente aos ritos de passagem tradicionais, essa interpelação da morte produzida por esses novos ritos solitários, se bem-sucedidos, quer dizer, se não levarem à morte, permite aos jovens a realização de uma "metamorfose de si" (sempre provisória) que atribui um novo significado à sua vida, mas que não se transmite aos outros. Nas palavras de Le Breton (2003, p. 52), trata-se de "l'unes des formes de cristallisation moderne de l'identité quand tout le reste se dérobe".</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um dos pressupostos de nossa análise, entretanto, é a de que as condutas de risco praticadas pelos jovens "rachadores" não podem ser suficientemente explicadas como ritos individuais de passagem, mas tampouco se enquadram no modelo dos ritos de passagem tradicionais. É aqui que introduzimos uma interpretação mais extensiva, a fim de melhor compreender essas práticas como ritos permanentes de virilidade, conceito também desenvolvido por Le Breton (2009, p. 35), mas, ao mesmo tempo, como jogo-brincadeira.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por um lado, os "rachas" podem ser analisados como ritos permanentes de virilidade, no sentido de ritos intermediários, que têm a função de marcar não a passagem de uma fase ou de um <i>status</i> a outro, mas a entronização em grupos de pares e com característica de "contrabando" (Le Breton, 2007b, p. 79, 2009, p. 39), quer dizer, a de serem reprovados pelas instituições sociais. O nosso pressuposto central é o de que esses ritos potencializam o risco existente nessas práticas, porque eles exigem permanentemente a comprovação pública de alguns dos valores centrais ao modelo de masculinidade hegemônico tradicional, como a coragem e a competitividade (Almeida, 2000; Connell, 1997; Espada Calpe, [s.d.]; Kimmel, 1998), através dos desafios lançados para "tirar racha".</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por outro lado, os "rachas" são também vividos como "brincadeira", de acordo com as palavras dos jovens pesquisados. Essa dimensão de jogo-brincadeira remete à discussão da relação existente entre rito e jogo. Verificar como ela se manifesta nos "rachas", sobretudo na vertente lúdica de jogo denominado por Caillois (1986) de <i>mimesis</i>, é fundamental por três razões. Primeiramente, pelo fato desse estreito elo existente entre rito e jogo ser foco de análise de vários autores (St-Germain; Ménard, 2008), desde os trabalhos de Huizinga (1963) e de Caillois (1986). Em seguida, porque a cultura contemporânea manifesta várias formas lúdicas que têm características de jogos " dos esportes aos jogos eletrônicos ", embaralhando ainda mais os limites com as formas rituais. E, finalmente, porque essa relação emerge de forma marcante e complexa do material de campo analisado.</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Vale ressaltar que no universo da velocidade, contrariamente às abordagens que colocam o risco como resposta ao sofrimento, os jovens enfatizam também o lado da "brincadeira", do "divertimento", do "prazer", do "saber-fazer" e do domínio do homem sobre a máquina. Eles pouco falam de risco e, quando o fazem, é no sentido de controle do risco, através da competência técnica. Tão só por essa razão, essa abordagem já seria necessária, pois como bem ressalta Peirano (2003, p. 8), ao analisar os rituais, ontem e hoje, é mais prudente não dar uma definição de ritual <i>a priori</i>, de maneira absoluta e rígida (e diríamos o mesmo para o jogo), pois "a compreensão do que é um ritual não pode ser antecipada, ela precisa ser etnográfica, isto é, apreendida pelo pesquisador em campo junto ao grupo que ele observa".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para proceder à análise dos percursos dos jovens "rachadores", elegemos, a partir do material de campo, três movimentos de oscilação de sentido: o risco entre rituais de passagem e passagens indeterminadas; o risco entre vertigem e controle; e o risco entre vida e morte e entre rito e jogo. Essas três oscilações apontam para os percursos "sobremodernos" desses jovens, no sentido de que as passagens se fazem de maneira cada vez mais indeterminada sem, no entanto, destruírem os ritos de passagem, mas sim os reestruturando e fazendo-os mover-se, alternadamente, entre o privado e o público, o individual e o coletivo. Poderíamos falar em uma rerritualização. Além disso, os percursos estão inseridos em redes de sociabilidade que oscilam entre as mais indeterminadas e as mais estáveis, sem, entretanto, que as primeiras façam desaparecer as segundas.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Essas oscilações só podem ser bem compreendidas no campo das abordagens da teoria da prática, justamente as que nos guiam nessa análise. As teorias da prática buscam compreender o entrelaçamento das coerções socioculturais e das ações dos sujeitos. Dar conta dessa interdependência entre as forças de transformação mais amplas da vida social e as dimensões das interações dos atores sociais não é tarefa das mais fáceis e o desafio é, justamente, segundo Ortner (2007, p. 50), construir uma análise das práticas sociais em que "nem os 'indivíduos' nem as 'forças sociais' têm 'precedência', mas na qual há, contudo, uma relação dinâmica, forte e, às vezes, transformadora entre as práticas de pessoas reais e as estruturas da sociedade, da cultura e da história".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Os percursos arriscados de jovens "rachadores"<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top7"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back7"><sup>7</sup></a></b></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A pesquisa de campo foi realizada em quatro locais da cidade de Londrina (PR): uma rodovia em frente a uma boate, cujos "rachas" se dão entre motos de baixa cilindrada; uma outra rodovia em frente a uma empresa, na qual a frequência é também de motos de baixa cilindrada; uma praça onde se encontram os jovens do Londrina Tuning Club<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top8"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back8"><sup>8</sup></a> e realizam manobras como o <i>burnout</i><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top9"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back9"><sup>9</sup></a> e, por vezes, combinam encontros para "tirar rachas"; e o Autódromo Internacional Ayrton Senna, com os eventos dos "rachas" quinzenais.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os "rachas" de rua acontecem ou de maneira imprevisível, no calor da hora, a partir de sinais de luz e acelerações diante de um sinal fechado, por exemplo, ou são combinados antecipadamente. Eles ocorrem normalmente tarde da noite, quando as ruas têm menos movimento, e se constituem práticas ilegais, podendo acarretar multas e a apreensão do carro. No autódromo, os "rachas" são eventos quinzenais, pagos, normatizados e legalizados. São organizados por um amante dessa prática que arrenda do setor público uma das pistas e garante a presença de ambulância e de bombeiros para socorro, em caso de necessidade, e de seguranças privados.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top10"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back10"><sup>10</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As redes de sociabilidade se constroem em torno desses encontros e eventos e também em torno de oficinas mecânicas especializadas em "turbinar" carros e motos, postos de gasolina, encontros regulares promovidos pelos clubes locais dos "dodgeros" e "opaleros", dentre outros. Os conflitos de classe perpassam as diferenças de estilos, aparecendo nas referências aos jovens que têm carros mais novos "tunados" como "filhinhos de papai", nas referências aos jovens de classes populares, com as motos de baixa cilindrada ou carros mais velhos, como o Chevette, de "manos", identificados à periferia.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O perfil dos jovens motoqueiros que frequentam as duas rodovias é mais ou menos homogêneo. São jovens de classes populares, todos na faixa etária de 16 a 25 anos, possuem moto de baixa cilindrada (Honda 125 cc, Titan, Honda Biz), as mais baratas do mercado, cuja venda é facilitada em muitas prestações. Esses jovens, em sua maioria, são moradores da periferia, estudam e trabalham, muitos utilizam a moto também como instrumento de trabalho, realizando entregas durante o dia ou à noite. Há um predomínio de quase 100% de jovens do sexo masculino pilotando as motos, embora as garotas estejam presentes, ou nas garupas das motos, ou os acompanhando para assistir, principalmente no primeiro local citado.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top11"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back11"><sup>11</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há também jovens de camadas mais baixas das classes médias que possuem carros antigos reparados e "preparados" para os "rachas" e, por vezes, carros mais novos que podem ser "tunados", caso dos jovens de maior poder aquisitivo, a exemplo de alguns que participam do Londrina Tuning Clube. Quase todos participam, em maior ou menor grau, dos eventos do autódromo e de "rachas" de rua. Os encontros do autódromo servem como local de lazer, de encontro, de negócios de automóveis, de peças, de acessórios, uma vez que há vários estandes de lojas e de oficinas do ramo, além de se reforçarem laços de sociabilidade e de possibilitarem os desafios de competição entre os donos dos automóveis apresentados.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O quadro, portanto, é diferente do contexto das décadas de 1970 e 1980, quando os "rachas" eram praticados, no Brasil, por jovens das classes médias urbanas com maior poder aquisitivo (Carmo, 2001). Isso aponta para o fato de que, atualmente, mesmo os jovens com menor poder aquisitivo têm acesso a um dos bens preferenciais de consumo do século XX " o automóvel.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top12"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back12"><sup>12</sup></a> E, além disso, eles transformam os seus carros e motos, personalizando-os à sua imagem, à medida de suas possibilidades e inseridos em uma ampla rede de trocas de serviços, peças e favores.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top13"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back13"><sup>13</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A associação de velocidade e juventude é um fenômeno social que data dos anos 1950, e foi eternizada pelos modelos paradigmáticos de rebeldia e de inconformismo juvenil relacionados aos carros, às motocicletas, às jaquetas de couro e ao <i>rock</i>. O gosto por motores e automóveis (não só da parte dos jovens) se explica pela centralidade que eles ganharam no imaginário ocidental. O automóvel e a velocidade são considerados como os traços centrais da revolução urbana e da vida moderna e impactaram de maneira profunda as relações sociais, sendo analisados por diferentes autores (Cunha, 2007; Featherstone, 2004; Sávio, 2002; Sennett, 1997; Virilio, 1996). Dentre os muitos impactos, os acidentes e as mortes no trânsito<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top14"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back14"><sup>14</sup></a> colocaram a temática do risco em evidência, juntamente com outros riscos de caráter global e coletivo, frutos do desenvolvimento acelerado da ciência e da tecnologia, ou melhor, como efeitos secundários e contínuos do próprio processo de modernização (Beck, 2008; Giddens; Beck; Lash, 1997; Kanashiro, 2008; Rodrigo, 2008).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas a pesquisa com jovens "rachadores" se insere na tradição dos estudos sobre risco que abordam o plano da percepção e de suas implicações culturais (Douglas, 1994, 1996), com ênfase nos riscos vivenciados por parte daqueles que não o evitam, mas que buscam e valorizam sua experiência, como os empreendedores e os desportistas (Le Breton, 1991; Ribeiro, 2003).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É o caso dos jovens "rachadores" que buscam a adrenalina<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top15"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back15"><sup>15</sup></a> da velocidade como atores ativos, e o fato de ser uma prática ilegal, que causa acidentes e mortes, faz deles alvo de concepções e imagens estereotipadas. Com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre eles, mas sem pretender dar conta da diversidade desse universo, apresentaremos o percurso de três jovens, escolhidos em função de seus diferentes perfis, e analisaremos as três oscilações de sentidos, já citadas, que aparecem recorrentemente nas entrevistas e nas observações de campo: o risco entre rituais de passagem e passagens indeterminadas; o risco entre vertigem e controle; e o risco entre vida e morte e entre rito e jogo.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esse recorte do material de pesquisa pretende aprofundar o tema central do artigo, a relação entre as condutas de risco e os percursos incertos e as passagens arriscadas e indeterminadas desses jovens, dando vida e voz a alguns deles, tentando não descontextualizar suas falas.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">São três jovens, três percursos diferentes a serem apresentados: Brinca-Titan, Rock-Dodge e Piloto V8.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top16"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back16"><sup>16</sup></a> O primeiro, Brinca-Titan, nos acolheu para a entrevista em sua oficina mecânica especializada em motos e referência para "rachadores". A entrevista se transformou em uma conversa animada, com a participação de outros jovens que frequentam o local. Brinca-Titan tem perto de 30 anos, é casado e tem uma filha de seis anos. No seu primeiro trabalho em uma oficina mecânica, aos 11 anos de idade, ele começou a aprender sobre a mecânica das motos e com seu patrão conheceu o mundo dos "rachas". O gosto pelas motos e pelos "rachas" vem desde a infância, quando já "tirava racha" com sua bicicleta. Esse gosto ele expressa ao afirmar que pode "fazer isso 24 horas sobre 24 horas"; "tá no sangue isso aí, não tem como explicar".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O segundo, Rock-Dogde,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top17"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back17"><sup>17</sup></a> tem 28 anos, é estudante universitário e sempre trabalhou como assistente administrativo. Realizamos a entrevista na universidade, mas foram muitas as conversas informais que tivemos ao longo da pesquisa, entremeadas com observações de campo, nas ruas, na praça, no autódromo, na sua casa, que também funciona como oficina de seu pai. Atualmente ele está sem emprego, sua mãe trabalha no serviço público e seu pai é mecânico e trabalha em casa na reparação de automóveis. Seu pai e seu tio sempre estiveram no ramo de compra, venda e reparação de carros. Seu pai fazia "rachas" quando jovem, inclusive com ele no banco de trás do carro, em uma época em que não havia obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Ele tem um irmão, sete anos mais novo, que também gosta e pratica "rachas" e manobras como <i>burnout</i> e "zerinho", mas que ele considera "muito louco" e irresponsável.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O terceiro, Piloto V8,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top18"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back18"><sup>18</sup></a> nos convidou para fazer a entrevista na garagem da casa de um amigo, mecânico, no bairro onde mora, em um sábado, enquanto preparavam um churrasco. Vários garotos à sua volta participavam da conversa, na medida em que ele permitia, pois sua liderança no bairro fica evidente desde o começo da conversa. Ele tem aproximadamente 40 anos e o seu percurso é bastante singular em comparação aos jovens pesquisados. Ele participa de "rachas" ou "pegas" na cidade desde os anos 1980 e conhece muita gente dessa época e do automobilismo oficial que se iniciou então na cidade. Além disso, é conhecido hoje no meio dos "rachas" e vários jovens sabem o seu nome e o carro que possui, totalmente personalizado.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top19"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back19"><sup>19</sup></a> Ele já foi casado duas vezes e atualmente mora sozinho na periferia da cidade, onde realiza um trabalho como educador social. Foi dependente de álcool e de drogas e há 14 anos não usa mais nenhuma substância, por essa razão acredita no trabalho de redução de danos para a dependência química. Ele se vê como referência para os jovens do bairro e considera os "rachas" um "exemplo produtivo de droga" em comparação às drogas ilegais e ao álcool. Desde a adolescência gosta de carros, sobretudo dos "V8": "nasci e cresci dentro de um V8".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>O risco entre ritos de passagem e passagens indeterminadas</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando tem competição é o seguinte: se ele tá com pouca coisa na minha frente que dá pra eu relar na mão dele, então o que vou fazer, se dá pra eu relar nele, eu vou puxar ele pra trás pra eu avançar pra frente, é isso daí, o que manda mais no racha, a moto pode ser até um pouco mais fraca, se você conseguir segurar até o final no vácuo aí você apoda, ou cê pega no pé dele, puxa ele, ou dá um susto nele que ele vai perder, ele vai frear [...] cê anda com uma mão só, vai trocando as marchas, então cê segura ele com a outra mão e puxa ele pra trás... isso aí nós fazia direto, eu Juninho, um camarada meu, uma galera. (Brinca-Titan).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Com 14 pra 15 anos, meu pai resolveu me ensinar a dirigir, daí eu comecei ter a sensação do que é ter um volante nas mãos, aí eu comecei fazer minhas cagadas no trânsito, é a questão de você ter aquela sensação de superioridade masculina, você não admite que uma mulher fica parada na sua frente, não é só mulher, é mulher, japonês, idoso, nada que seja lerdo [...] na rua tem aquela de você fazer uma curva mais rápido que o oponente, de ter que arriscar mais pra ter maior êxito, se você tem que entrar naquela curva a 70, 60 por hora, o teu oponente tá com medo de entrar, mas você não pode ter o mesmo medo dele, depende da ocasião e da curva, cê fala eu vou dobrar o risco, risco é 60, vou entrar a 120 na curva, eu vou deixar pra frear mais em cima da hora, porque eu sei que meu oponente vai frear antes. (Rock-Dodge).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"Pega" é o seguinte, tô vindo um ano pra cá e nós já temos treta eu e o camarada já tá meio enroscado um com outro na garganta, porque vai toda aquela coisa da rebeldia, aquele carro daquele cara lá, num sei o quê, "ego", "desafio" [...] ó, na rodovia eu tô acostumado a pegar Audi e BM e dar pau neles, não, dou pau bonito, de ir embora, largo pra trás e vou embora, sabe... mas é daquele jeito, tem que ter espaço, agora no autódromo por que que não tem V8? Como é que vou arrancar com um carro de três mil quilos com um carro de seiscentos? (Piloto V8).</span></div>
</blockquote>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A maioria dos jovens entrevistados começou a se interessar por motores e por "rachas" cedo, entre oito e dez anos, através de alguém da família " pai, tio, primo, irmão " de amigos, conhecidos ou patrões. É um universo fundamentalmente masculino, no qual são transmitidos conhecimentos sobre motores e, para alguns, a possibilidade de um ofício ou de uma profissão, como Brinca-Titan. Por outro lado, Rock-Dodge não adquiriu a profissão de mecânico do pai, apesar de conviver com ela desde pequeno: "Desde criança meu pai chegava em casa com dois, três carros, no outro dia voltava com mais cinco, daí tinha aquele ritual de ficar reformando o carro na garagem de casa ou me levava pra oficina pra mexer nos carros." Ele foi construindo seu percurso em outra direção, influenciado pela mãe que o incentivou a entrar na universidade. Já Piloto V8 aprendeu sobre motores e "rachas" com amigos e conhecidos: "Eu comecei a brincar com os Dodges mesmo eu era um moleque, com os Dodges moendo lá, nós chegava regaçando mesmo, tinha onde era a oficina, era <i>point</i>, tudo pequeninho." Mas Piloto V8 não fez desse conhecimento uma profissão, traçando um outro percurso, incerto e à maneira de um<i>bricoleur</i> ou de um prefigurador.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Referindo-nos aos conceitos de Mead (1971) e de Bourdieu (1982), podemos resumir os percursos de vida dos três "rachadores" no seu quadro intergeracional. Brinca-Titan segue a transmissão de seu primeiro patrão, mas transformou sua oficina em um local para "preparação" de motos, entrando, assim, em um novo nicho da economia "sobremoderna" e tornando-se referência para as novas redes de jovens. Piloto V8 talvez seja o que se mais se aproxima da figura de um precursor " prefigurador " de novos percursos. Ele se torna um dos "tios fundadores" do autódromo (assim apelidado pela geração seguinte), fruto de longas lutas com o serviço público e a economia privada, mas constata que essa institucionalização das corridas arriscadas não é suficiente. Como liderança e educador social, ele prefigura, então, a iniciativa de um trabalho informal de "redução de danos"<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top20"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back20"><sup>20</sup></a> com jovens da periferia no sentido de colocar a "dependência" da velocidade no lugar da dependência do álcool e das drogas. Mas ele continua aventurando-se nos "pegas", mais radicais do que os "rachas", porque é "treta", é "rebeldia", é "pau bonito". Talvez, se as condições se apresentassem, ele se engajasse em novos dispositivos para garantir novos espaços para os jovens "rachadores" de motos com os quais convive. Rock-Dodge, de alguma forma, "rompe" o seu percurso de vida ficando entre, de um lado, a retomada do "racha" ao mesmo tempo transmitido e proibido por seu pai, antigo "rachador" e, por outro lado, a entrada em uma esfera mais informatizada de trabalho, estudo e planejamento de futuro.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Paralelamente à transmissão de conhecimentos, esses jovens adquirem e vão exercitando, ao longo de seus percursos, um conjunto de valores e de práticas próprios de uma masculinidade hegemônica tradicional (Almeida, 2000; Connell, 1997; Espada Calpe, [s.d.]; Kimmel, 1998). Os valores centrais dessa configuração, a competitividade, a agressividade e a coragem, se reatualizam na prática dos "rachas", na medida em que eles precisam ser permanentemente provados aos olhos de seus pares (mas também da polícia e das garotas). Com o risco de sermos parciais, enfatizamos como resultado principal da análise que o exercício dessa masculinidade hegemônica tradicional reforça o risco existente na prática dos "rachas". Os desafios lançados e respondidos publicamente são compreendidos como ritos permanentes de virilidade (Le Breton, 2009, p. 35), com características de "ritos de instituição" (Bourdieu, 1982), pois instituem e sancionam expectativas comuns na forma como esses jovens agem e constroem suas identidades pessoais e sociais.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O acompanhamento desses percursos nos leva a completar a compreensão desse estilo competitivo. Primeiro no sentido que Rock-Dodge expressa de não poder suportar que uma mulher conduza diante dele, e isso com um fundo de excitação que exerce o automóvel sobre a maioria dos condutores, mulheres inclusive. Mas os rachas se referem ainda a um reservatório de ideologias de virilidade que encontram seu ponto culminante no significado da própria palavra "racha", que quer dizer fenda causada por ruptura, mas que na linguagem popular se refere ao sexo feminino (vagina). Como verbo, dentre outros sentidos, "rachar" significa partir-se ou romper-se por excesso de tensão, fazer em estilhas ou lascar, fender-se ou abrir fendas, ferir ou atingir com violência (Houaiss, 2001). Esse mesmo tipo de ação de se partir ou de se romper, em consequência de choques ou de derrapagens e descontroles, pode se estender, por analogia, à atitude viril diante do sexo feminino.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entretanto, é certo que essas significações de virilização não são completamente ritualizadas, mas oscilam, elas próprias, entre um lado "duro" que se refere à coragem e à agressividade, e que mesmo os acidentes não podem desfazer, e um lado "mole" ou vulnerável. Piloto V8, por exemplo, deixa transparecer o que chamamos de "risco de virilização" quando fala das ligações sucessivas que teve com várias mulheres, com as quais ele brigava, incessantemente, até se sentir "chamado" pelo carro, que nunca está pronto, mas que "obedece", "funciona" mais lealmente às diretrizes do piloto e permite-lhe uma retomada do que ele pensa ser o seu "eu". Confrontados com as transformações das relações de gênero, parece que os "rachadores" fundamentalizam, de alguma maneira, as normas herdadas dos ritos de virilidade, se não conseguem moderá-las um pouco no quadro das estruturas familiares herdadas, a exemplo de Brinca-Titan, que afirma ter parado de "rachar" depois que sua filha nasceu. Ou como um "rachador" de origem japonesa demonstrou, ao relatar e aceitar a copilotagem, cada vez mais frequente, das mulheres nos circuitos e nas ruas de Tóquio.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top21"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back21"><sup>21</sup></a>. Podemos compreender esses riscos de virilização ainda mais se levarmos em conta que as mudanças "sobremodernas" modificam as transgressões "modernas", pois os "rachadores" não expressam seus atos de mobilização com objetivos coletivos de transgressão (referência às interdições sexuais), mas com fins mais ambíguos de individualização, ao mesmo tempo, "duros" e vulneráveis, privados e públicos (Beck-Gernsheim, 1980).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Outro elemento importante nesses percursos de passagens indeterminadas dos jovens "rachadores" é o papel da transgressão. Se, em suas narrativas, os desafios, as competições, as <i>performances</i> e os acidentes tornam-se história, memória coletiva, que cria lendas e feitos heroicos,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top22"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back22"><sup>22</sup></a> a transgressão é um aspecto a ser problematizado, pois pode ser outro elemento que reforça a "entrada em cena" do risco, potencializado por conta da ilegalidade das práticas e da provável presença da polícia. Entretanto, a transgressão tem outro sentido que não o da confrontação aos pais, à polícia, ao instituído que se almeja transformar, como é o caso da transgressão juvenil dos anos 1950 na figura paradigmática de James Dean. Partimos da premissa que os "rachadores" transgridem muito mais no sentido de uma rebelião latente contra uma sociedade supervigiada e com a tendência a amortecer os corpos-máquinas e as consciências-técnica. Isso porque existe uma ambiguidade com respeito à velocidade no seio de suas relações com a autoridade dos pais e da polícia.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top23"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back23"><sup>23</sup></a> É como se eles buscassem, através da velocidade, experiências de intensificação das sensações corporais, reagindo ao mundo massificado e às formas de controle social e de autocontrole.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top24"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back24"><sup>24</sup></a> A ideia de "atrito" (do grego <i>tribé</i>), desenvolvida por Pais (2004, p. 12), pode ajudar a entender essa relação entre transgressão, risco e culturas juvenis. Segundo o autor, o sentido é de ocupação do espaço urbano, como um protesto latente para se fazer visível, através de corpos que se confrontam.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top25"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back25"><sup>25</sup></a> No caso de práticas ilegais, como os "rachas", quando o arriscar-se se faz acompanhar de tensão e de medo, há também a sensação do "instinto do instante" e a do reconhecimento, tão valorizadas nas sociedades contemporâneas por permitirem a expressão da individualidade e a possibilidade de se ganhar um nome.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na construção dessas lendas heroicas, por vezes a máquina toma o lugar do sujeito e da sua competência, ganhando vida própria com sua <i>performance</i> definida por sua potência. Como expressa Rock-Dodge, a propósito do carro antigo que não podia "colocar pra correr" em função do alto custo financeiro com sua reparação: "Como os carros são carros antigos, e você não pode ficar judiando, correndo o risco de bater, quando alguém chama pro racha a gente fala assim, eu tenho um motor debaixo do capô e eu não preciso provar nada pra você porque você sabe o que meu caro corre." Ou então no sentido que deu um rapaz que faz "rachas" de moto, ao afirmar não haver competição nos "rachas" de motos, pois todos são conhecidos ou amigos, o que há é competição entre motores, é a moto melhor preparada que ganha. Essa relação dos jovens com suas máquinas nos remete à próxima oscilação de sentido.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>O risco entre vertigem e controle</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Antes não tinha muitas opções, agora tem, muda pistão, virabrequinho, comando de superalta, média alta, é relações de moto, diminui tamanho de roda, carburação, é o principal da moto, carburador médio, grande, depende de qual lugar você vai andar, mas o que manda mais mesmo, que até todo mundo briga, é um comando de superalto, é supercaro, tem moto aí de 125 que dá pau em moto de 1000 cc, na carcaça é 125, só que o que tem dentro ninguém sabe, né, então a gente faz uma supermoto, cada vez mais ela tá voltando a ser uma bicicleta, porque a gente vai tirando tudo, a gente coloca frente de bicicleta, roda de bicicleta, isso moto de arrancada, né, quanto menor, quanto menos peso, melhor. (Brinca-Titan).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Meu irmão é mais insano, esses dias de madrugada ele parou num cruzamento, tava chovendo e ele ficou fazendo zerinho no cruzamento, dando cavalo de pau e eu grudado no banco, morrendo de medo. E tô acostumado, quando vi tava morrendo de medo, porque você não sabe, né, pode quebrar alguma coisa, pode errar e acertar um poste, dei bronca nele: "Meu, cê tem que parar com essas loucuras, porque isso daí é muita insanidade cê fazer num dia de chuva, num lugar apertado", porque o carro dele é grande também. (Rock-Dodge).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tem a ver com controle e não com descontrole, concentrado no último, sensibilidade no último, tanto que você vê, a molecada que vai andar no autódromo, os que tocam mesmo, cê não vê eles dando risada nunca. Adrenalina e o cara aqui ó, tal, atento a tudo porque cê não pode ficar atento só no carro, o teu desempenho, o cara do seu lado [...] a gente vinha vindo ó, pé crachado,<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top26"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back26"><sup>26</sup></a> o cara rodou no meio da expressa, a gente ia dar no meio, foi só redução baixando marcha, redução, tiramos pro lado e fomos embora, se é outro cara ia dar no meio, e ia morrer todo mundo. Tem que ter sangue frio. (Piloto V8).</span></div>
</blockquote>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A relação com o risco presente nos "rachas" ganha, nesse contexto descrito, novos significados nos quais, por exemplo, a busca de vertigem não é contraditória com o sentimento de controle ou domínio do automóvel, mas cujos significados se entrelaçam de maneira complexa. Isso porque esses jovens estabelecem uma estreita relação e grande familiaridade com a tecnologia dos motores, desde muito cedo, o que lhes dá um sentimento de autonomia e de individualidade, propiciado pelos automóveis, além do fascínio que a tecnologia e a velocidade exercem no imaginário ocidental contemporâneo.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top27"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back27"><sup>27</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Todos os jovens nesse universo têm um conhecimento aprofundado sobre motores e do que é necessário fazer para prepará-los para correr, bem como conhecem pessoas que fazem comércio de carros, motos, peças e profissionais especializados. Eles conhecem os motores e os problemas que apresentam, inclusive de maneira sensorial: "conheço pelo som do motor"; "é o melhor cheiro do mundo", e os carros e as motos parecem se estender de seus corpos.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se a oscilação discutida no item anterior aponta para uma "vertigem de virilidade", essa segunda, entre vertigem e controle, vai apontar, como veremos, no contexto das transformações "supermodernas", para uma "vertigem de controle" que se situa entre as mobilizações técnicas aceleradas e os mecanismos que aliam corpo e máquina. A ela conferimos um lugar central na análise, pois elas têm um papel primordial para os "rachadores".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De maneira geral, existe para todo automobilista atualmente um super-rito de passagem que se tornou, aos olhos de muitos jovens, um "sacramento" das sociedades "sobremodernas": a formação e o exame para a carteira de motorista. O que esse exame verifica é a capacidade do futuro condutor de alargar a coordenação imediata das operações mentais (emoção-razão) e dos membros do seu corpo na direção de uma coordenação mais circunspecta de um grande número de saberes e gestos técnicos, bem como dos códigos de circulação. Entretanto, isso não é suficiente para os jovens "rachadores", que querem não somente provar as evoluções das tecnologias automobilísticas como também, e sobretudo, querem se "automobilizar" de uma maneira que solicita, ao mesmo tempo, mais risco e mais coordenação. Em seus percursos, eles apresentam movimentos entre razão-técnica, de um lado, e corpo-máquina, de outro, e para alcançar a vertigem e retomar o controle é preciso coordenar essa relação e isso se dá através da competência, de acordo com suas afirmações. Eles não se contentam com coordenar as operações necessárias para conduzir, mas ousam ir adiante com essas competências, se "autoacelerando", poderíamos dizer, com a ajuda de tecnologias cada vez mais sofisticadas " às vezes se voltando para modelos antigos e carros velhos, verdadeiras "carcaças", às vezes para bólidos ou carros novos "turbinados" " e a mobilização de seus corpos, através das máquinas.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nessa oscilação vertigem-controle, a relação homem-máquina desempenha um papel importante, a ponto de alguns jovens expressarem uma vontade própria da máquina com a qual a vontade deles deve negociar. Rock-Dodge expressa muito bem isso quando afirma: "Tava voltando pra casa, em ponto morto, sossegado, ouvindo um sonzinho. Daí passou um carro por mim, um Gol, o carro, bem inferior em questões de motor e tal e me chamou, tem umas linguagens tal, dá umas aceleradas e vai, liga o alerta, e me chamou pro racha." Essa "vontade" dos carros que "chama" para o "racha" se complementa com a ideia de passividade do sujeito em relação ao automóvel e à velocidade, conotando forças contra as quais o sujeito pode pouco ou quase nada. Os jovens expressam isso através das ideias de "vício", "droga" ou "doença": "pra quem gosta disso, é uma doença"; "porque ó, eu saí dum casamento de cinco anos, graças a Deus, sabe? Casei de novo com meu carro e tô muito bem. É um vício, mesmo quando era casado era viciado nesse troço"; "é um vício, nunca tá pronto. Toda semana, ó hoje cê tá vendo ele assim, semana que vem cê vai olhar vai tá diferente, ou é motor, ou é alguma coisa, roda, pneu"; "aí pegou a doença da ferrugem"; "a droga é o nosso carro"; "tá no sangue isso aí".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>O risco entre vida e morte e entre rito e jogo</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Aprendi com um ex-patrão meu, o primeiro patrão com quem trabalhei, ele tirava racha, bastante, eu tinha 11 anos, aí foi onde eu comecei a gostar, né, dessa brincadeira, que é uma brincadeira, né, entre amigos, então, hoje eu dei uma parada por causa da minha filha, mas mexo, trabalho com bastante rapazes aqui que adoram tirar racha, tanto faz na rua como no autódromo, eu aconselho mais no autódromo, eu acho bem mais legal no autódromo, mas é, sei lá, uma adrenalina, né, uma adrenalina, cê tá no racha, você para, você não consegue parar de tremer, é aquela loucura. (Brinca-Titan).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A primeira sensação é de muita adrenalina no sangue [risos], só que eu acredito também, acredito não, eu tenho certeza que depois da adrenalina, muita endorfina vai ser jogada no sangue também, ou que, pelo menos pra mim, tem uma sensação de prazer muito grande ao praticar aquilo. E, até depois que a gente para, a gente racha ou corre com o carro, ou faz alguma manobra desse tipo, a gente para e fica com aquela adrenalina no sangue, a gente fica empolgado, a gente fica falando disso, daquilo, aquilo ali fica assim, cê fica sem ar, cê fica fascinado. Eu, a primeira vez que eu fiz um borrachão, aquilo que eu falei procê de travar e derreter o pneu do carro até estourar, a primeira vez que eu fiz aquilo eu não dormi uma semana. A adrenalina parecia que ficava correndo, eu tenho um vídeo disso gravado até hoje [...] uma semana sem dormir, lembrando daquilo. É uma loucura gigante, a gente sai com aquela sensação de prazer, é muito associado à música. Eu acho que pra quem gosta de motores pesados um, um bom e velho <i>rock'n'roll</i>, aquele bem pesado, bem frenético assim, te deixa, te deixa muito excitado. (Dodge-Rock).</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os caras subia com Maverick, qual rua que subia a Piauí, pra relar e sair fogo e descendo pra fazer esfria-saco, a gente fala. Esfria-saco era você vinha com tudo e voava, naquela época era que nem<i>Os Gatões</i>. Acabava com o carro, mas era uma beleza [...] a molecada que vai andar no autódromo, os que tocam mesmo, cê não vê eles dando risada nunca. (Piloto V8).</span></div>
</blockquote>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Essa última oscilação abrange, de alguma maneira, as duas outras oscilações precedentes. Não podemos deixar de examinar as relações circunscritas entre vida e morte, entre rito e jogo, pois estudos atuais de referência para o assunto tratam as condutas de risco como modalidades de interpelação da morte a fim de buscar sentido e gosto de viver (Le Breton, 2007a, 2007b). Entretanto, a oscilação entre rito e jogo emergiu de maneira surpreendente do material e pesquisa.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Falar de passagem da vida à morte remete, inicialmente, a uma compreensão tradicional sempre associada a uma visão bioteológica de "ciclo de vida". Falar, em seguida, de um percurso do rito ao jogo leva a uma definição simplificada de rito no seu sentido mais estrito de estado de ordem, celebrado à repetição, sacralizado ou evidenciado, rompendo com a ordem cotidiana e reduzindo a incerteza (se não a ritualiza novamente). O rito passa ao jogo quando a ordem se transforma em um estado de desordem criador, de movimentos inovadores, de festas e de <i>flows</i> que tendem, entre outras coisas, a reduzir o tédio rotineiro. Fundamentalmente, os seres humanos, não estando conectados imediatamente com seus instintos, são levados a oscilar entre rito e jogo, lembrando, de maneira geral, o entreato que se abre às oscilações entre os dois: o risco.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As sensações corporais, mentais e grupais ("adrenalina", "prazer", "excitação", "loucura", "zoar", "brincar", "tirar onda", "fazer bobeiras") se expressam de maneira geral e ficam evidentes na citação de Dodge-Rock: "sensação de prazer", de "empolgação" e de "fascínio". Ele se refere a um ambiente coletivo de jogo, de fruição e de festa, por vezes sustentado pelo álcool e por drogas. É como se os "rachadores" tivessem trazido o gosto pelos jogos da infância.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O sentido de "brincadeira" faz parte dos percursos desses jovens. No percurso particular de Dodge-Rock está inserido em uma estrutura de socialização familiar paradoxal, pois seu pai transmitiu ao filho o gosto pelos motores e pelos "rachas", mas, ao mesmo tempo, não quer que seu filho o faça. É como se o deixasse participar dos jogos, das "brincadeiras" e "besteiras" que ele mesmo fazia, mas o advertindo para não fazer o mesmo. Sua atitude ambivalente se expressa quando ele pergunta ao filho uma noite, ao ouvi-lo chegar, adivinhando que ele tinha "rachado": "Andou na frente?" Ao ouvir a resposta afirmativa, sorriu, mas veio a "bronca": "Você é louco, ficar correndo na via pública, seu carro é antigo, vai que quebra, vai que cruza alguém na frente."</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como dito anteriormente, a análise dos trabalhos de Le Breton (2007a, 2007b) mostram que uma parcela de jovens, em sofrimento, corre riscos como forma de responder a esse sofrimento e como tentativa de encontrar sentido à sua existência, escapando da falta de sentido, da indiferença e do isolamento. Eles correm riscos, então, não porque buscam morrer, mas para poder viver. As narrativas dos "rachadores" nos levam a enfatizar outro aspecto da questão, porque nem todos têm seus percursos marcados, de maneira acentuada ou particular, pelo sofrimento, tampouco se referem a ele em seus depoimentos. Eles também não falam de risco, mas sim, e sobretudo, de "brincadeira", diversão, prazer (comparando ao sexual),<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top28"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back28"><sup>28</sup></a> relaxamento e, mais raramente, de fuga. Então, para assumir as aporias de per-correr constantemente o risco entre vida e morte, prolongamos a análise para a outra relação oscilante entre jogo e rito. Os "rachadores" arriscam para escapar da indiferença e do tédio cotidiano e para desfrutar, pelo menos momentaneamente, dos jogos que dão "sal" à vida. A maioria, como Brinca-Titan e Dogde Rock, acentua o caráter de "brincadeira", mesmo que outros levem a atividade mais a sério, como Piloto V8, que faz uma distinção entre piloto e condutor, ou outros que falam de treino, de talento e de domínio de técnica com estatuto de esporte. Interessante notar que Piloto V8, dentre todos os outros, foi o que mais vivenciou experiências de risco em seu percurso, como o uso e a dependência de drogas, passagem pela criminalidade e, agora, chega a submeter as questões de vida e de morte a um espírito de disciplina e de precaução, inclusive financeira.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">À primeira vista a passagem da vida à morte, sempre possível nos percursos dos "rachadores", encontra-se negada em proveito do vivenciado mais imediato, o incidente/acidente, seguido de um gesto heroico e viril: nem mesmo pernas e mãos amputadas<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top29"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back29"><sup>29</sup></a> os fazem parar, como demonstram os inúmeros relatos, como o de Dodge-Rock sobre seus tios: "Um perdeu um dedo num acidente de moto também, o outro que corria de moto tem platina, parafuso na perna por causa de acidente de moto, então os irmãos dele tão tudo estropiado por causa de racha de moto."<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top30"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back30"><sup>30</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas as reações aos acidentes demonstram também que a morte aparece no horizonte desses jovens, mesmo que de forma subliminar, subentendida nos relatos sobre mudança de comportamento ou sobre estratégias desenvolvidas depois de terem vivenciado ou presenciado um acidente. Brinca-Titan afirma que "o melhor é no autódromo" e Rock-Dodge que: "A partir do acidente eu passei a ter mais responsabilidade e mais cuidado no trânsito, se quero rachar numa via pública, procuro uma de madrugada que não tenha movimento."<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top31"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back31"><sup>31</sup></a></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O medo poderia ser um indicador de que da morte não está totalmente ausente de seus horizontes, mas são poucos os que afirmam ter medo. Um rapaz que participou da entrevista de Piloto V8 diz que "na moto dá medo, a gente morre" e Rock-Dodge admite que é "medroso com relação a me exibir de moto, eu ficava tentando aprender a empinar e já abaixava a moto, ficava com medo de cair". A maioria, como Brinca-Titan, diz não ter medo: "Ó, medo, medo não tem, o único medo nosso é a polícia [...] medo não tem não", ou Rock-Dodge que afirma: "Eu tinha menos medo naquela época. Medo, medo eu tenho mais agora, até porque você passa a ser maior de idade, a ter meu carro, vai doer mais no meu bolso, e que vou ter que responder criminalmente por isso se alguma coisa der errado"; ou ainda Piloto V8, que acaba revelando: "Vamos falar a verdade, rola de ter que pagar o carro dos outros. É mais financeiro, a realidade é o seguinte, não tem medo, é precaução financeira, só precaução financeira."</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: small;"><b>De volta aos três percursos</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nossas interpretações procedem de maneira tateante, sempre sujeitas a novas verificações, não podendo ter a pretensão de conclusão. Mas, para sintetizar as reflexões apresentadas, reforçamos nossa hipótese principal que emergiu no curso da pesquisa, segundo a qual a reatualização dos valores e práticas próprias de uma masculinidade hegemônica tradicional (o que chamamos de risco de revirilização) figura como horizonte organizador dos percursos dos "rachadores". Ela se alimenta dos esforços de competição, de controle e de jogo, mas continua sendo o fator que pré-estrutura estes últimos. A vertigem de reafirmação de um estilo de masculinidade influencia a retomada de controle e as vertigens de reencontro do jogo. "Fender-se" e "competir" ressoam, de alguma forma, no "derrapar" e no "controlar", bem como sobre o "brincar" e o "fazer bobagem".</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se confrontamos os percursos dos "rachadores" às figuras que Le Breton (1991; 2007b) desenvolveu para circunscrever as condutas de risco, podemos observar que esses jovens atravessam todas elas. Encontramos entre eles características de "apagamento",<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top32"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back32"><sup>32</sup></a> que se pode expressar na adaptação dos corpos à máquina, como os garotos que não comem para emagrecer e ficar mais leves para os "rachas" de moto, ou os que se deixam ir pela vertigem, mesmo que por alguns segundos; características de "sacrifício",<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top33"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back33"><sup>33</sup></a> exemplificado na dependência emocional com relação aos motores e à tecnologia " o carro ou moto como "droga"; características de "afrontamento",<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top34"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back34"><sup>34</sup></a> a exemplo dos <i>élans</i> violentos de "arrebentar"; "pé crachado", "dar no meio"; "dar um pau", como expressa Piloto V8: "Se pego ele na rodovia, eu passo em cima"; e, finalmente, as características de "ordália",<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top35"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt#back35"><sup>35</sup></a> a exemplo do risco de relar no outro a 140 km/h de moto, como conta Brinca-Titan: "Cê anda com uma mão só, vai trocando as marchas, então cê segura ele com a outra mão e puxa ele pra trás." Nas suas significações, os "rachadores" deixam entender que eles se veem menos confrontados com morte, e mais arriscando a vida, precisamente, a supervida acelerada, controlada, desfrutada para retornar à vida cotidiana, à sobrevida rotineira.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Todas essas interpretações nos levam a corrigir nossa compreensão inicial a respeito da "sobremodernidade" e da estrutura desses ritos de passagem transformados. Sugerimos que estamos diante de uma hipermodernidade ou de uma intermodernidade (Bauman, 1992; Kordes, 2007; Robertson, 1992), na qual os ritos de passagem podem sobreviver, mas estando impregnados de estruturas processuais de percursos indeterminados ou arriscados, nos quais os motivos de individuação interferem nos motivos de reagrupamento (redes), as estruturas privatizantes são interdependentes das estruturas públicas, as tendências de mundialização se interpenetram com aquelas de localização. E, finalmente, as evoluções de abertura das relações entre gênero se tensionam com forças de fechamento, próprias da masculinidade hegemônica tradicional.</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Para acessar as notas, ver a referência bibliográfica e fonte acessar: </b></span><br />
<a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt">http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt</a><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><b><br /></b></span></span></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-77726887874633772011-09-17T12:08:00.003-03:002011-09-17T12:15:04.114-03:00Não é a vítima que escolhe a pena, diz Corte da UE<span class="Apple-style-span" style="font-size: 13px; line-height: 18px;"></span><br />
<b>ALINE PINHEIRO</b><br />
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Na Espanha, a lei contra violência doméstica tem algumas peculiaridades. Funciona assim: Maria casa com João. Um belo dia, o João bate na Maria. O caso vai parar na Justiça e o juiz, entre outras penas, determina que João fique longe dela por um ano. A Maria, saudosa, resolve reatar o casamento com o João. Ele aceita e é punido por descumprir decisão judicial. Afinal, não pode se aproximar da Maria por pelo menos um ano.<br />
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O assunto virou tema de debate jurídico, nesta quinta-feira (15/9). O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que não há nada de errado na lei espanhola contra a violência doméstica. Para os julgadores, o juiz não está obrigado a aplicar a pena de acordo com a vontade da vítima e nem suspendê-la, caso a agredida mude de ideia.<br />
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<br />
A posição da corte europeia foi dada em resposta à consulta feita pela Justiça da Espanha. No país, em casos de violência doméstica, o juiz é obrigado a determinar que o condenado fique longe da vítima por um tempo a ser estabelecido. E esta pena, como qualquer outra decisão judicial, não pode ser desrespeitada nem por iniciativa da vítima.<br />
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<br />
Norma da União Europeia estabelece o direito de a vítima de um crime ser ouvida em juízo para apresentar a sua versão do fato. No entanto, isso não quer dizer que a vítima tem o direito de escolher qual a pena deve ser aplicada ao seu ofensor. O Tribunal de Justiça europeu observou que combater a violência doméstica é do interesse da sociedade no geral, e não apenas das vítimas.<br />
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Clique <a href="http://s.conjur.com.br/dl/decisao-tribunal-justica-uniao-europeia21.pdf">aqui</a> para ler a decisão em inglês. <a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066"></a><br />
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<b>ALINE PINEHEIRO</b> é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa. <br />
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Fonte: <a href="http://www.conjur.com.br/2011-set-15/juiz-proibiu-marido-mulher-nao-podem-reatar-casamento-espanha">http://www.conjur.com.br/2011-set-15/juiz-proibiu-marido-mulher-nao-podem-reatar-casamento-espanha</a> Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-17268928950517497302011-09-16T10:40:00.001-03:002011-09-16T10:43:11.427-03:00Direitos civis e Direitos Humanos: uma tradição judiciária pré-republicana?<br />
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<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>ROBERTO KANT DE LIMA</b></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"></span><br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6DH-n1w9uxrLnrHxy7mG3rlrcTpqNW4uBAh8dL_m1WhzBtcYPtN3kNF4C7SdzbxY9HeusoBCSThUWJ0rmTqrWGlNQGt9rlWhnJUJXtDeWEZQNl0lotZE0PzZIEUSM-DaFgme5wXtgxp_3/s1600/Themis_by_thechicken.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6DH-n1w9uxrLnrHxy7mG3rlrcTpqNW4uBAh8dL_m1WhzBtcYPtN3kNF4C7SdzbxY9HeusoBCSThUWJ0rmTqrWGlNQGt9rlWhnJUJXtDeWEZQNl0lotZE0PzZIEUSM-DaFgme5wXtgxp_3/s640/Themis_by_thechicken.jpg" width="272" /></a></span></div>
<div style="font-family: verdana, arial; font-size: 13px;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><br /></span></div>
<hr noshade="" size="1" style="font-family: verdana, arial; font-size: 14px;" />
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>RESUMO</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O tema deste artigo está centrado na justiça criminal no Brasil, buscando demonstrar que as relações entre modelos repressivos de controle social, formas inquisitoriais de produção da verdade jurídica e desigualdade jurídica formam um todo coerente em nossa justiça criminal, embora contrário à ordem republicana explícita do Estado brasileiro contemporâneo.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Palavras-chave:</b> sistema judicial criminal; Direitos Civis e Direitos Humanos.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Este artigo discute alguns aspectos do sistema de justiça criminal no Brasil, relacionando-os com as estruturas jurídico-políticas de sistemas republicanos. Os dados analisados foram coletados em entrevistas e debates realizados nos últimos cinco anos, a respeito do tema, com operadores do sistema de justiça criminal, advogados e alunos de pós-graduação em direito e em segurança pública. São também analisados textos que se referem à questão da importância dos direitos civis para a ordem republicana e para a garantia da igualdade jurídica, em particular. É esta igualdade, aliás, que torna possível a compreensão contemporânea dos direitos humanos, vistos como capazes de prover tratamento igual aos diferentes, universalizando a aplicação da lei às distintas identidades que se especificam no espaço público. Como conclusão, quer-se demonstrar que as relações entre modelos repressivos de controle social, formas inquisitoriais de produção da verdade jurídica e desigualdade jurídica formam um todo coerente em um sistema de justiça criminal, embora, aparentemente, contrário às aspirações explícitas da ordem republicana constituintes do Estado brasileiro contemporâneo.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Desta forma, torna-se inicialmente relevante explicitar alguns argumentos clássicos sobre a questão da cidadania, para contrastá-los com as instituições judiciais e com as práticas judiciárias de nossa sociedade. Com este propósito, tomaremos como exemplo um autor consagrado (Bourdieu, 1974). Segundo Marshall, assim se estabelecem as relações entre a cidadania e os direitos civis: "(...) pretendo dividir o conceito de cidadania em três partes. (...) Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social. O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual — liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. <i>Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top1"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back1"><sup>1</sup></a> Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça.</i> Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local. O elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais" (Marshall, 1967:63-64, grifos meus).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por outro lado, ainda segundo esta concepção clássica, o conceito e o exercício da cidadania estão vinculados ao âmbito do estado nacional e à proteção dos direitos individuais: "(a evolução da cidadania) envolveu um processo duplo, de fusão e separação. A fusão foi geográfica e a separação, funcional. O primeiro passo importante data do século XII quando a justiça real foi estabelecida com força efetiva para definir e defender os direitos civis do indivíduo — tais como o eram então — com base não em costumes locais, mas no direito consuetudinário do país. Como instituições, os tribunais eram nacionais, mas especializados" (Marshall, 1967:64-65).</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Então, afigura-se claramente a idéia de que esse tipo de direito e os tribunais são instituídos para a proteção dos indivíduos — antes súditos, depois cidadãos da República. Há diferenças, entretanto, do ponto de vista dos fundamentos da desigualdade nos dois contextos. Pois, para Marshall, se no Antigo Regime a desigualdade está fundamentada moral e juridicamente no <i>status</i>, afirmando-se jurídica e politicamente o modelo da pirâmide de que falaremos mais tarde, a sociedade republicana, em que se garantiu a igualdade jurídica aos cidadãos, vai justificar a desigualdade pelas diferenças de <i>performance</i> entre os cidadãos no mercado. Assim, é a igualdade jurídica diante da lei e dos tribunais, que vai fornecer a justificativa moral da desigualdade econômica, política e social na sociedade cujo modelo jurídico-político pode ser representado por um paralelepípedo: a idéia de igualdade diante da lei e dos tribunais permite a desigualdade de classes nas esferas econômica, política e social, inerente ao mercado.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"Não obstante, a verdade é que a cidadania, mesmo em suas formas iniciais, constituiu um princípio de igualdade, e que, durante aquele período, era uma instituição em desenvolvimento. Começando do ponto no qual todos os homens eram livres, em teoria, capazes de gozar de direitos, a cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos de que eram capazes de gozar. Mas esses direitos não estavam em conflito com as desigualdades da sociedade capitalista; eram, ao contrário, necessários para a manutenção daquela determinada forma de desigualdade. A explicação reside no fato de que a cidadania, nesta fase, se compunha de direitos civis. E os direitos civis eram indispensáveis a uma economia de mercado competitivo. Davam a cada homem, como parte de seu <i>status</i> individual, o poder de participar, como uma unidade independente, na concorrência econômica, e <i>tornaram possível negar-lhes a proteção social com base na suposição de que o homem estava capacitado a proteger a si mesmo</i>" (Marshall, 1967:79; grifo meu).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ainda segundo este autor, o esquema jurídico-político que fazia parte do ideário republicano não permitia interferência no estabelecimento das condições de participação no mercado, à exceção de uma: aquela que garantia o direito dos cidadãos adultos à educação fundamental, exatamente para que pudessem estar qualificados minimamente para exercitar suas opções no mercado (Marshall, 1967:73-74).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entretanto, esse movimento geral, já definido por Maine como um movimento do <i>status</i> para o contrato, requer qualificação: "Mas o elemento contratual no feudalismo coexistiu com um sistema de classes baseado em <i>status</i>, e à medida que o contrato se transformava em costume, contribuiu para perpetuar o <i>status</i> de classe. O costume reteve a forma de empreendimentos mútuos, mas não a realidade de um acordo livre. O contrato moderno não nasceu do contrato feudal; assinala um novo desenvolvimento a cujo progresso o feudalismo foi um obstáculo que teve que ser afastado. <i>Pois o contrato moderno é essencialmente um acordo entre homens que são livres e iguais em</i> status, <i>embora não necessariamente em poder</i>. O <i>status</i> não foi eliminado do sistema social. O <i>status</i>diferencial, associado com classe, função e família, foi substituído pelo único <i>status</i> uniforme de cidadania, que ofereceu o fundamento da igualdade sobre a qual a estrutura da desigualdade foi edificada." (Marshall, 1967:79-80, grifos meus).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ora, no Brasil, a literatura jurídica é praticamente omissa quanto à questão da cidadania, a não ser quando a vincula a temas formais como, por exemplo, "liberdades públicas", ou a proclama ungida por álibis<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top2"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back2"><sup>2</sup></a> versados em simbologia de expressão retórica, desprovida de eficácia real para os menos favorecidos socialmente (Neves, 1994). O tratamento concedido à cidadania muitas vezes é tão amplo que não se consegue identificar a plena jurisdição dos direitos protetivos que a integram. Outras vezes, é limitada a princípios dogmático-formais, tão abstratos que mais justificam sua aparência simbólica do que sua vigência, o que reforça aspectos meramente retóricos em que fica escondida. Muito comumente ela é entendida apenas como a titularidade de direitos políticos, ou seja, como o direito de votar e de ser votado, com plena exclusão de outros direitos a ela agregados nos Estados democráticos da atualidade.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tal situação incentiva a disposição generalizada de que no Brasil do século XXI ainda é fundamental lutar para que se obtenha a plena cidadania, a começar pelo princípio que no século XVIII fundamentou o direito civil: a igualdade de todos perante a lei e, principalmente, perante os tribunais (Marshall, 1967; Carvalho, 2001). É a desigualdade um princípio organizador oriundo da sociedade tradicional brasileira, dos tempos coloniais que, entranhada no tecido social, contamina as relações nas instituições sociais, sendo o sistema judicial criminal apenas uma das suas dimensões institucionais, ora destacadas aqui.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os ideais de qualquer princípio de igualdade socialmente justa ficam assim debilitados na cultura jurídica internalizada e expressa na prática de profissionais do direito. A situação paradoxal de vivermos em uma sociedade onde o mercado produz constantes desigualdades econômicas, que são ameaçadoras do princípio basilar da igualdade de todos perante a lei, não lhes causa inquietações, porque tal situação é percebida como "natural", motivo pelo qual absorvem esse paradoxo, como se vê no processo penal, onde privilégios estão a desigualar o tratamento concedido a autores e co-autores dos mesmos delitos tipificados no Código Penal.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Conseqüentemente, na ausência de demarcação definida e estruturada em torno de eixos explícitos de legitimação da desigualdade, cabe a todos — mas, principalmente, às instituições encarregadas de administrar conflitos no espaço público — em cada caso, aplicar particularizadamente as regras disponíveis — sempre gerais, nunca locais — de acordo com o <i>status</i> de cada um, sob pena de se estar cometendo injustiça irreparável ao não se adequar à desigualdade social imposta e implicitamente reconhecida. Desigualdade esta inconcebível juridicamente em qualquer República constitucional, mas cuja existência, nesse contexto de ambigüidade em que nossa sociedade se move, goza de confortável invisibilidade. Eis porque a legislação processual penal admite tratamento diferenciado a pessoas que são acusadas de cometer infrações, não em função das infrações, mas em função da "qualidade" dessas pessoas, consagrando, inclusive, o acesso à instrução superior completa como um desses elementos de distinção.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top3"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back3"><sup>3</sup></a></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por outro lado, a presença de métodos oficialmente sigilosos de produção da verdade _ como no caso do inquérito policial —, próprios de sociedades de desiguais, que querem circunscrever os efeitos da explicitação dos conflitos aos limites de uma estrutura que se representa como fixa e imutável, confirmam a naturalização da desigualdade própria de nossa consciência cultural: as pessoas são consideradas naturalmente desiguais (Mendes de Almeida Jr., 1920:v.1:250-251). A função compensatória do Estado, portanto, é vista como uma literal compensação da desigualdade na administração dos conflitos em público e não uma promoção da igualdade para que as partes administrem seus conflitos em público.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A harmônica conciliação de princípios tão paradoxais não é de fazer estranheza ao sistema, baseado na dogmática jurídica e na hierarquia das normas, que propõe resolver o problema validando automaticamente aquelas situadas nos níveis mais altos da hierarquia. Assim, no topo da hierarquia de normas estão os princípios constitucionais. Estes, aparentemente, são assemelhados àqueles do <i>due process of law</i> dos EUA: asseguram a presunção da inocência, o direito à defesa — chamado, no direito brasileiro, de princípio do contraditório — conferindo, entretanto, um outro direito, denominado de ampla defesa, pelo qual os acusados podem e devem usar todos os recursos possíveis em sua defesa. Ora, este sistema traz em si algumas contradições. A primeira é que não é um <i>due process of law</i> — expressão equivocadamente traduzida em português de forma demasiado livre como "devido processo legal" — pois esta instituição jurídico-política dos EUA é uma opção do acusado, a quem é devido —<i> due </i>— pelo Estado um determinado procedimento judicial, em condições estipuladas pelas quinta e sexta emendas constitucionais. Estas incluem, entre outros, o direito a um <i>speedy trial</i> — um julgamento rápido, o que não existe em nosso sistema de processo e de julgamentos obrigatórios e de temporalidade própria. Outra característica é que, não havendo no processo nem <i>exclusionary rules</i> (regras de exclusão das evidências levadas a juízo), nem hierarquia de provas, que separem os fatos provados daqueles que não o foram, dentro de um processo probatório — <i>evidence, fact, proof</i> — tudo, literalmente, pode ser alegado em defesa, ou em acusação, o que produz uma parafernália de meros indícios — que, estranhamente, incluem também laudos periciais, como os de exames de corpo de delito, por exemplo — tanto mais ampla quanto mais abundantes forem os recursos do acusado e dos acusadores. Finalmente, ao assegurar, constitucionalmente, o direito do acusado não se auto-incriminar (direito ao silêncio), no Brasil não se criminaliza, como no direito anglo-americano, a mentira dita pelo réu em sua defesa, o que implica não haver a possibilidade de condenação por <i>perjury</i>, mas somente por falsidade de declaração por testemunha.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Abaixo da Constituição, tem-se o Código de Processo Penal, que regula três formas de produção da verdade: a policial, a judicial e a do Tribunal do Júri. Tais formas encontram-se hierarquizadas no Código da seguinte maneira:</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- o inquérito policial, onde o procedimento da polícia judiciária é, oficialmente, "administrativo", não judicial e, por isso, inquisitorial, não se regendo pelo princípio do contraditório;</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- o processo judicial, aplicado à maioria dos crimes e que se inicia, obrigatoriamente, quando há indícios suficientes de que um delito grave foi cometido e que sua autoria é presumida, com a denúncia feita pela promotoria dando oportunidade à defesa, pois se regula pelo princípio do contraditório, até a sentença do juiz, que exprime seu convencimento justificado pelo exame do conteúdo dos autos;</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">- o julgamento pelo Tribunal do Júri, processo que se aplica apenas aos crimes intencionais contra a vida humana e se inicia por uma sentença judicial proferida por um juiz (pronúncia), após a realização da produção de informações, indícios e provas, durante o inquérito policial e a instrução judicial, comum a todos os processos judiciais criminais. Neste caso, após interrogar novamente o réu, o juiz relata aos jurados, oralmente, os procedimentos anteriores, podendo defesa e acusação apresentar testemunhas para serem ouvidas. Este processo é também regido pelo contraditório e pela ampla defesa, em processo que exige a presença do réu, inclui um prolongado debate oral e que termina pelo veredicto dos jurados.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A exposição de motivos que introduz o texto do Código de Processo Penal explicita ser objetivo do processo judicial criminal a descoberta da "verdade real", ou material, por oposição à "verdade formal" do processo civil, ou seja, o que é levado ao juiz por iniciativa das partes. Por isso, os juízes podem e devem tomar a iniciativa de trazer aos autos tudo o que pensarem interessar ao processo, <i>ex-officio,</i> para formar o seu "livre convencimento" examinando a "prova dos autos". Assim, todos os elementos que se encontram registrados, por escrito, nos volumes que formam os processos judiciais, incluindo os inquéritos policiais, podem ganhar o mesmo "estatuto de verdade" para a sentença final, e o juiz pode, inclusive, discordar de fatos considerados incontroversos pela acusação e pela defesa:</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"O princípio da verdade real, que foi o mito de um processo penal voltado para a liberdade absoluta do juiz e para a utilização de poderes ilimitados na busca da prova, significa hoje simplesmente a tendência a uma certeza próxima da verdade judicial: uma verdade subtraída à exclusiva influência das partes pelos poderes instrutórios do juiz e uma verdade ética, constitucional e processualmente válida. Isso para os dois tipos de processo, penal e não-penal. E ainda, <i>agora exclusivamente para o processo penal tradicional, uma verdade a ser pesquisada mesmo quando os fatos forem incontroversos"</i> (Grinover, 1999:78-79, grifo meu).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como se vê, a ênfase está depositada no interesse público — aqui compreendido como aquele definido pelos funcionários do Estado — servindo o processo para incrementá-lo, acima dos interesses individuais, ou mesmo coletivos.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A esses procedimentos juntam-se outros, instituídos pela Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais. Essa lei contempla os casos em que a pena inicialmente prevista é de no máximo um ano — agora, de dois anos — para contravenções ou crimes de pequeno potencial ofensivo. Em trabalho recente, divulgam-se dados de pesquisa qualitativa onde observa-se elevado número de renúncias, estimuladas pelos conciliadores, o que parece confirmar a tradição da conciliação, que opera no sentido de abafar os conflitos, não de solucioná-los (Kant de Lima et al., 2001).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>O INQUÉRITO POLICIAL</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Na expressão exemplar de um delegado de polícia, o inquérito policial é "um procedimento do Estado contra tudo e contra todos para apurar a verdade dos fatos"<i>.</i> Assim, o inquérito policial é um procedimento no qual quem detém a iniciativa é um Estado imaginário, todo poderoso, onipresente e onisciente, sempre em sua busca incansável da verdade, representado pela autoridade policial, que, embora sendo um funcionário do Executivo, tem uma delegação do Judiciário e a ele está subordinado quando da realização de investigações.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O procedimento judiciário policial, portanto, pode ser inquisitorial, conduzido em segredo, sem contraditório, porque ainda não há acusação formal. Entretanto, embora neste nível não seja legalmente permitida a negociação da culpa, ou da verdade, é lógico que a polícia barganha, negocia, oficiosa e/ou à margem da lei, em troca de algum tipo de vantagem, tanto o que investiga como aquilo que os escrivães policiais registram nos "autos" do inquérito policial, conforme bem expressa a categoria específica "armação do processo", vigente no cotidiano da esfera policial (Kant de Lima, 1989; 1995).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Apesar de consideradas como "desvios de conduta", atribuídos a funcionários inescrupulosos, as "armações do processo" estão institucionalizadas nas práticas policiais. Em pesquisa de campo realizada, identificaram-se certas recorrências que apontam para a consistência de tais procedimentos como modalidade de produção de verdade de eficácia comprovada. Igualmente, a regulação da tortura de acordo com a gravidade da denúncia ou queixa e conforme a posição social dos envolvidos; a permissão da participação dos advogados nos inquéritos, também de acordo com as diferentes posições que estes especialistas ocupam nos quadros profissionais; o registro — ou não — das ocorrências levadas ao conhecimento da polícia; a qualificação e tipificação — ou não — das infrações e crimes registrados e a abertura de investigações preliminares, que levam, ou não, à abertura do inquérito policial, são algumas das práticas recorrentes no subsistema policial. Todas, caracterizam práticas policiais movidas por interesses particularistas e, sem dúvida, estão institucionalizadas. Confirmando a tradição inquisitorial que o define juridicamente, o inquérito policial tramita em um cartório policial, alocado às delegacias de polícia civil, ou judiciária, onde os depoimentos e confissões são registrados por escrito nos autos do inquérito, ficando, posteriormente, entranhados nos autos do processo judicial, pois não há interrupção da numeração seqüencial de suas páginas. Portanto, essas declarações podem servir para o "livre convencimento" do juiz (Kant de Lima, 1989; 1995).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Depois de registradas tais práticas no trabalho de campo, pesquisas históricas complementares mostraram que os procedimentos observados eram muito semelhantes aos da "inquirição-devassa" do direito português ou da "inquisitio" do direito canônico: procedimentos sigilosos, que preliminarmente investigam, sem acusar, visando obter informações sobre perturbações da ordem denunciadas pública ou anonimamente. No procedimento inquisitorial, se o crime é leve e o acusado confessa, é apenas repreendido; se o acusado não confessa, ou se o crime é grave, o acusado é "indiciado" e o processo é encaminhado à justiça criminal.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A tradição jurídica brasileira justificava esses procedimentos como próprios de sociedades onde a desigualdade substantiva entre as partes era explícita, pois não era desejável manchar a reputação de homens de honra que podiam ser injustamente acusados, nem se desejava expor os despossuídos à ira de poderosos acusadores. O Estado, então, compensava essa desigualdade, assumindo a iniciativa da descoberta da verdade e avaliando a oportunidade de tornar a denúncia pública (Mendes de Almeida Jr., 1920) . Aqui, é evidente a produção de um<i>ethos</i> de suspeição sistemática motivado pelo desejo de evitar ou abafar a explicitação de conflitos, ou de punir aqueles que neles se envolvem, prejudicando a harmonia de uma sociedade de desiguais complementares, onde cada um tem o seu lugar.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Para mais uma vez demonstrar a força desta tradição inquisitorial, note-se que ela permanece vigente juridicamente, mesmo depois da Constituição de 1988, que estipulou que todos os processos administrativos ou judiciais deveriam incorporar o princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5, LV). No caso do inquérito policial, que permanecia inquisitorial por ser um mero processo administrativo, reafirmou-se seu caráter inquisitorial, enfatizando-se seu caráter de procedimento, e não de processo propriamente dito (Silva Jardim, 2001:27;41-47). Com esta argumentação jurídica, é possível mantê-lo inquisitorial, em um sistema constitucional acusatorial.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>O PROCESSO JUDICIAL</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Já vimos que o processo judicial se inicia pela denúncia do promotor — uma acusação pública que gera defesa — seguindo-se o interrogatório do juiz singular ao acusado, agora "réu". Neste interrogatório, em geral na primeira vez em que tanto o juiz quanto o promotor — e, muitas vezes, o defensor público — irão se comunicar com o réu em pessoa, defesa e acusação não participam, ou participam apenas como assistentes. Trata-se de procedimento oficialmente denominado de inquisitorial, que se auto-justifica como sendo em defesa do réu, cuja confissão atenua sua pena e no qual, por isso, o juiz deve advertir preliminarmente o acusado de que "seu silêncio poderá resultar em prejuízo de sua própria defesa", teoria e prática que parecem colocar-se, como já se disse, em contradição com a presunção da inocência decorrente do silêncio do réu e do direito de não se incriminar.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em compensação, se o silêncio pode vir em prejuízo da própria defesa — como diz o ditado, "quem cala, consente" — o réu pode mentir livremente, pois apenas as pessoas sinceramente arrependidas confessam a verdade. O crime de "falso testemunho", diferentemente do crime de <i>perjury</i>, só pode ser alegado contra as testemunhas. Seguindo ainda a tradição inquisitorial, a confissão do réu é considerada atenuante da pena, pois revela arrependimento — afinal, já é uma penitência — e desejo de reintegrar-se aos valores que sua ação transgrediu.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A seguir, "reperguntam-se" todas as testemunhas que já depuseram na polícia, com a assistência oficial e legal da defesa e da acusação. A assistência advocatícia, obviamente, varia de acordo com as posses do acusado e reflete no comparecimento qualificado — ou na ausência dele — das testemunhas do processo. Por várias circunstâncias obstaculizantes ao comparecimento de testemunhas (mudanças de residência e/ou de <i>status</i>social e civil, dificuldade de locomoção, doenças, mortes, etc.), os réus mais pobres nem sempre conseguem trazer suas testemunhas ao tribunal. Em geral, são as pessoas de melhor condição econômica ou, pelo menos, os réus que não estão presos, que conseguem trazer suas testemunhas, assim como outras novas, para depor. Esta, entre outras circunstâncias, reafirma a presença da desigualdade social no processo judicial penal, também presente nas práticas processuais estrangeiras.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Durante o processo judicial, o réu pode permanecer preso ou em liberdade. Nos EUA, a fiança é a forma de soltar os réus e, como lá a cultura judicial é igualitária, tem sido objeto de crítica, identificando-se nela forte discriminação econômica, pois os mais pobres, permanecendo presos, têm sua defesa prejudicada, não só em função de seu pior estado psicológico, como também por não poder produzir provas em seu favor. Já no Brasil, se as fianças não são caras, essa desigualdade inscreve-se nos autos do inquérito policial — em que se registram as investigações contra os mais pobres, feitas sem advogado ou contra os mais ricos, "armadas" com o consentimento da polícia (Kant de Lima, 1989; 1995).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Além disso, importantes dispositivos legais prescrevem tratamento jurídico desigual aos acusados, no Brasil. Entre eles, a já referida "prisão especial", que assegura condições privilegiadas na prisão, concedidas a certas categorias de pessoas — como, por exemplo, aquelas portadoras de instrução superior —, que vão desde a permanência em separado dos chamados "presos comuns", em acomodações especialmente destinadas a assegurar este privilégio, até a "prisão domiciliar", cumprida na residência do acusado. Outro dispositivo é a "competência por prerrogativa de função", válida, por exemplo, para autoridades governamentais, que retira os acusados do âmbito do julgamento preconizado para os cidadãos "comuns", pelo juiz singular ou pelo júri, enviando-os para julgamento por órgãos judiciais colegiados de instâncias superiores, como os Tribunais de Justiça e os Tribunais Superiores de terceira instância, ou o Supremo Tribunal Federal. Favorecem ainda alguns acusados as chamadas imunidades parlamentares, que impunham licenças especiais dos Legislativos para processar seus membros. Essas últimas prerrogativas e imunidades eram, até há pouco tempo, válidas em qualquer circunstância, mesmo no caso de terem os acusados cometido infrações comuns anteriores ao mandato, sem relação alguma com suas atividades profissionais, como se a prerrogativa não fosse da função, mas da pessoa. Mesmo hoje, uma vez eleito, o político torna-se ungido por tais privilégios que o transformam em um "cidadão acima de qualquer suspeita", imune aos efeitos do Código Penal, aplicado aos cidadãos comuns, e só pode ser processado com a licença de seus pares, diferentemente, por exemplo, dos EUA, onde o Presidente da República Bill Clinton foi recentemente processado por um juiz comum.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Trata-se, assim, de um sistema judicial criminal que não é aplicado de forma igual a todos os cidadãos, mas que assegura privilégios, desigualdades consagradas na própria legislação penal e, como vimos, presentes nas práticas que a atualizam, como se verifica em sociedades patrimoniais estamentais (Weber, 1999:311-323; Faoro, 1958).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Finalmente, o juiz decide, de acordo com seu "livre convencimento" e fundado no conteúdo dos autos, que trazem entranhados os registros do inquérito policial contendo os depoimentos e confissões obtidos na polícia sem a presença oficial da defesa. Os procedimentos privilegiam a escrita, a interpretação e a implicitude. É interessante notar que nesse contexto de formulação de "certezas jurídicas", como aponta Malatesta (1911), tenta-se minimizar aquilo que poderia assegurar ao juiz e ao público o absoluto acerto de sua "sentença": a confissão.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top4"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back4"><sup>4</sup></a></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos casos dos crimes intencionais contra a vida humana, no entanto, o juiz singular não dá a palavra final. Nestes casos, formula uma sentença que "pronuncia" ou "impronuncia" o réu. Quando a sentença pronuncia o acusado, seu nome é inscrito no "rol dos culpados", registro do qual só sairá se absolvido no processo. Inicia-se, então, o julgamento pelo Tribunal do Júri.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora a literatura jurídica brasileira usualmente registre equivalências entre o procedimento judicial do Tribunal do Júri brasileiro e o da tradição anglo-americana, existem diferenças abissais entre ambos. Para começar, o nosso julgamento por júri não é uma opção do acusado, como ocorre <i>no trial by jury</i>, aplicado apenas aos que se declaram não culpados. Além disso, aqui esse julgamento é a culminância de vários procedimentos em que o acusado foi progressiva e sistematicamente indiciado na polícia e sucessivamente denunciado e indiciado no processo judicial, decidindo-se, finalmente, "pronunciá-lo" e inscrever seu nome no "rol dos culpados". A presunção oficiosa, portanto, é de culpa, não de inocência, o oposto do que ocorre no <i>trial by jury</i> americano. Note-se, também, que nos EUA o <i>due process of law</i> é um procedimento constitucional universalmente disponível aos cidadãos, um direito público subjetivo, para ser aplicado de acordo com leis locais, que devem ser igualmente aplicadas a todos os do lugar. O princípio da universalidade depende, portanto, da definição do universo e do espaço público, coletivo, sempre limitado, ao qual se aplica, em todos casos, o procedimento judicial que é devido pelo Estado. No caso brasileiro, o Tribunal do Júri não constitui um direito subjetivo, mas sim uma instituição judiciária obrigatória apenas para crimes intencionais contra a vida humana.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No <i>trial by jury</i> o juiz é o árbitro das regras de admissão de provas ou evidências que se apresentam, todas, durante o julgamento. Há uma gradação para a transformação das evidências — os dados trazidos pelas partes e admitidos em juízo — em fatos — quando são consensualmente reconhecidos como tal pelas partes envolvidas — e, finalmente, em provas — quando reconhecidas pelo juiz e pelos jurados como tal. No Brasil, ao contrário, o juiz, de um lado, é obrigado a procurar, por sua iniciativa, a "verdade real"; e, de outro, encontra-se compelido, pelo princípio da "ampla defesa", à aceitabilidade de todos os indícios trazidos pelas partes ao processo. O juiz lê os autos e os relata para os jurados, cujo conhecimento sobre os fatos, portanto, é de segunda ou terceira mão. Também diferem os procedimentos na tomada de depoimentos de testemunhas perante o júri. Nos EUA são feitas<i>questions</i> durante a <i>examination</i> e <i>cross-examination</i> do acusado — que consentiu em depor — e das testemunhas, que não podem ser "interrogadas" — quer dizer, não podem ser perguntadas pelo que se supõe que elas sabem, ou deviam saber — nem podem ter suas respostas induzidas. No Brasil, ao contrário, há um interrogatório obrigatório do réu, baseado no que foi apurado durante o inquérito policial e a instrução judicial, e não há regras para a tomada de depoimento de testemunhas.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os árbitros — <i>jurors</i> — nos EUA são doze pessoas cuidadosamente selecionadas de comum acordo entre defesa e acusação, apenas para aquele julgamento, dentre listas amplas de todos os eleitores.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No Brasil, são sorteados de uma lista anual preparada de antemão pelo juiz, composta de pessoas de sua confiança ou a ele indicadas por pessoas ou instituições fidedignas, entre os quais se sorteiam vinte e um por mês e, destes, sete para cada julgamento. Defesa e acusação têm direito, cada uma, a apenas três recusas. O julgamento realiza-se em uma sala especialmente preparada para acomodar uma platéia, diante da qual está o juiz, tendo suspenso na parede, geralmente atrás de si, um tradicional crucifixo católico, simbolizando a "humanização" da justiça, sacralizada na fé cristã católica, embora a Constituição brasileira proclame a liberdade de crença religiosa para todos os cidadãos e a religião católica tenha deixado de ser a religião oficial do Estado brasileiro em 1889. O promotor fica ao lado do juiz, de frente para a platéia, e um escrivão senta-se do outro lado do juiz. Em duas filas, junto a uma das paredes laterais, estão sentados os jurados, vestidos com uma meia beca, à moda dos serventuários da justiça. Na parede oposta, de frente para os jurados, senta-se o advogado, acima do réu, ficando este acomodado, também diante dos jurados, no chamado "banco dos réus". Não é raro que promotor e jurados ocupem o mesmo lado da sala, à direita do juiz, como nas instalações do Primeiro Tribunal do Júri do Rio de Janeiro.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Embora possa apresentar variantes, dependendo das orientações particulares de cada Presidente do Tribunal do Júri e da época em que o prédio foi construído, esta disposição inquisitorial do espaço no Tribunal do Júri contrasta fortemente com disposição <i>adversarial</i> do <i>trial by jury</i> dos EUA, onde o acusado e sua defesa sentam-se lado a lado à acusação, de frente para o juiz e de costas para a platéia, tendo a um de seus lados os jurados, sentados na <i>jury box</i>. A igualdade simbólica entre as partes é representada no critério de ocupação do espaço, ficando a promotoria como uma parte igual às outras, o que reforça a presunção ideológica de inocência, só passível de alteração por uma <i>reasonable doubt</i> (dúvida razoável), reconhecida pelos jurados.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top5"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back5"><sup>5</sup></a></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No Brasil, o julgamento inicia-se, após o sorteio e o compromisso dos jurados, por novo interrogatório do acusado, feito pelo juiz. Após este procedimento novas testemunhas podem ser ouvidas, o que raramente ocorre, a não ser em julgamentos muito especiais.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A parte mais importante do julgamento, portanto, é um debate, em que acusação e defesa se defrontam, com direito a duas horas cada uma, que podem ser prorrogadas por mais uma hora. Nesta <i>disputatio</i> escolástica, os advogados e os promotores defendem "teses" opostas, que não podem encontrar-se jamais, sob pena de declarar-se "inepta" a defesa. Quer dizer, mesmo quando acusação e defesa concordam com a culpa ou com a inocência do acusado, têm que acusá-lo e defendê-lo em público, apresentando suas teses em oposição "contraditória". Como não há, também, consenso prévio sobre quais são os fatos, sobre o que foi e o que não foi devidamente provado — distintamente do que ocorre no <i>trial by jury</i> — a verdade, assim, não se apresenta como o resultado de um processo de construção a partir de um consenso sobre os fatos, como no modelo <i>adversarial</i>, mas aparecerá como o resultado de um duelo, em que vencerá o mais forte, tal como estabelecia a antiga tradição do sistema de "provas legais", vigente no Ocidente até o Antigo Regime (Foucault, 1999).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os advogados não costumam ater-se aos autos, e não há registros escritos de suas falas, diferentemente do procedimento dos EUA, onde a fala é registrada. Deste modo, os advogados podem mentir, pois estão sustentando a versão de um acusado que tem direito de continuar a mentir em causa própria durante seu novo interrogatório. Assim, o conteúdo dos autos, resumido em relatório e lido pelo juiz, é, neste momento, manipulado livremente tanto pela acusação quanto pela defesa, dando lugar a controvérsias ferozes sobre a existência, ou não, de provas, fatos e indícios.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Sem que tenham sido esclarecidos oficialmente sobre quais os fatos efetivamente provados do processo, nem sobre suas implicações legais, como é obrigatório nos EUA, os jurados recolhem-se a uma sala secreta, na companhia do juiz, de um serventuário da justiça — que os acompanhou durante todo o tempo do julgamento para que não se comunicassem entre si, nem com o público —, de representantes da defesa e da acusação — o que difere da reunião secreta para discussão do processo e negociação do <i>verdict</i> dos doze jurados nos EUA, à qual ninguém pode assistir. No Brasil, os jurados são proibidos de discutir entre si e votam, secretamente, de acordo com sua consciência, colocando cédulas marcadas com sim ou não em uma urna, em resposta a uma série de perguntas extremamente técnicas, que incluem o exame de agravantes e de atenuantes, formuladas pelo juiz, com a anuência da acusação e da defesa (a quesitação). Em suma, esse procedimento também difere em muito da alternativa <i>guilty/not guilty</i> usada na arbitragem dos EUA, em que os jurados discutem entre si e votam abertamente pela decisão que expressa o consenso — muitas vezes obrigatório —, o que caracteriza um ritual de produção de verdade distinto do júri brasileiro.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Criados pela Lei nº 9.099/95, os Juizados Especiais Criminais — Jecrim constituem-se uma instituição processual ainda em implantação no Brasil. De certa forma, os Jecrim vieram ocupar um lugar que pertencia, extra-oficialmente, à polícia judiciária, que apurava e julgava o tipo de crimes de menor potencial ofensivo — com penas de até dois anos — antes da nova lei.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Os Jecrim, embora não se definindo oficialmente como tal, pretendem introduzir uma espécie de civilização da lei penal, buscando, mediante a composição e a transação penal, saídas alternativas para as penas de prisão. Entretanto, devido a vários fatores, não sendo de menor importância aqueles ligados à tradição inquisitorial e de aplicação desigual do direito a segmentos distintos da população descritos acima, o tratamento desigual dado às partes em função de seu <i>status</i> social, a ausência de funcionários e de operadores especialmente sensíveis a uma atuação tão díspar daquela encontrada no sistema de justiça criminal tradicional e uma forte ambigüidade com relação à aplicação universal das garantias constitucionais, em especial no que se refere ao emprego da transação penal, estão se evidenciando como prováveis obstáculos à plena realização de seus objetivos explícitos, de desafogar os tribunais e de democratizar-lhes o acesso. Por outro lado, pesquisa empírica conduzida nos Jecrim do Estado do Rio de Janeiro demonstrou alto grau de renúncias, acatadas com conciliações bem-sucedidas pelo sistema, mas nem sempre vistas como tal pelas partes envolvidas, em especial quando estas são mulheres agredidas por seus próximos, em sua maioria do sexo masculino. Aparentemente, a conciliação opera uma desjuridificação do conflito, que permanece latente na estrutura de sociabilidade, vindo a se manifestar mais tarde, algumas vezes, com maior gravidade.<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="top6"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#back6"><sup>6</sup></a></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>CONSIDERAÇÕES FINAIS</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos últimos 20 anos, vários cientistas sociais, em especial antropólogos, têm insistido na presença de princípios paradoxais e de características ambíguas na sociedade brasileira (DaMatta, 1979; Gomes; Barbosa; Drummond, 2000). Apregoa-se explicitamente a igualdade entre todos os indivíduos que compõem a sociedade, de onde decorre que os naturais desentendimentos entre eles, provocados por seus eventuais interesses divergentes, deverão ser administrados mediante negociações entre partes formalmente iguais, embora substantivamente distintas. Quer dizer, negros, brancos e índios, mulheres, homens e homossexuais, pobres, remediados e ricos, etc. serão considerados formalmente iguais no que toca à negociação de seus direitos e deveres em público. Este processo de negociação permanente é considerado capaz de emprestar à sociedade uma dinâmica democrática e um formato flexível, como em um paralelepípedo, em que os diferentes estratos sociais se encontram em permanente mobilidade e cada indivíduo/elemento tem sua própria trajetória, uma vez que a base e o topo dessa figura têm a mesma superfície. Para que a ordem pública se mantenha é necessário haver consenso sobre as regras que vão gerir a administração desses conflitos, cuja legitimidade advém de sua explicitude e universalidade, referidas necessariamente a um determinado contexto, o que lhes empresta univocidade — significado único — e literalidade: isto é, em um determinado local, as regras de convivência em público são facilmente identificáveis e valem para todos da mesma maneira. A principal estratégia de controle social é a prevenção dos conflitos pelo controle disciplinar dos indivíduos, que devem ser capazes de internalizar valores e regras apropriados à convivência social em público, embora com respeito a seus modos de vida particulares.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esta visão republicana, democrática, igualitária e individualista da sociedade, entretanto, convive, na sociedade brasileira, com uma outra, que permanece implícita — mas claramente detectável à observação — em que a sociedade, à maneira de uma pirâmide, é constituída de segmentos desiguais e complementares. Nesta última perspectiva, as diferenças que produzem inevitáveis conflitos de interesses são reduzidas à sua significação inicial, dada por uma relação fixa com contextos mais amplos do todo social. As diferenças não exprimem igualdade formal, mas desigualdade formal, própria da lógica da complementaridade, em que cada um tem o seu lugar previamente definido na estrutura social. A estratégia de controle social na forma piramidal é repressiva, visando manter o <i>statu quo ante</i> a qualquer preço, sob pena de desmoronar toda a estrutura social. Portanto, não se pretende que os componentes da sociedade internalizem as regras, mas a hierarquia, pois sua aplicação não será nunca universal, mas hierarquizada, o que explica porque as regras são aplicadas desigualmente aos membros da sociedade. O sistema funciona com a aplicação particularizada de regras gerais, para isso sempre sujeitas, sucessivamente, à melhor e maior autoridade interpretativa (Kant de Lima, 2000).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Diferentemente de uma sociedade aristocrática, entretanto, onde os eixos que organizam a desigualdade política, econômica, jurídica e social encontram-se claramente demarcados, no Brasil, um Estado formalmente republicano, tais desigualdades não podem ser constitucionalmente marcadas. Embora claramente presentes na estrutura do mercado a que hoje todos estamos submetidos, não poderiam e, sobretudo, não deveriam produzir desigualdade de tratamento político-jurídico para os distintos segmentos da sociedade e para os indivíduos que os compõem, conforme princípio vigente nos Estados democráticos de Direito.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesse contexto, é relevante explicitar como nossa cultura jurídica justifica a desigualdade jurídica existente no sistema de justiça criminal, exemplificada pelos institutos dos fóruns especiais e privilegiados, pelos diferentes tipos de imunidade e pela prisão especial para várias categorias profissionais, inclusive para os detentores de instrução superior. Os operadores deste sistema, responsável pela garantia da liberdade de ir e vir, direito civil básico dos cidadãos de uma República, utilizam argumentação diametralmente oposta àquela presente nos textos que se referem à constituição da cidadania e do Estado de Direito no mundo capitalista: diz-se que não pode haver igualdade jurídica perante os tribunais porque existe, de fato, desigualdade econômica e social em nossa sociedade (Cogan, 1996). Assim, seria injusto tratar a todos os desiguais, igualmente ou, como disse Ruy Barbosa, ícone da república e "porta-voz" — no sentido que a esta categoria empresta Bourdieu — do campo jurídico brasileiro, insistentemente citado pelos juristas: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam" (Barbosa, 1921). Em conseqüência, a semelhança remete à igualdade; e a especificidade, não à universalidade de tratamento, mas à sua particularidade: em suma, a diferença remete à desigualdade. Ou, nas palavras do citado autor:</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"<i>À parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam</i>. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i><br /></i></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam</i>. <i>Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade</i>. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real" (Barbosa, 1921, grifos meus).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A este quadro de desigualdade explícita associam-se mecanismos institucionais de "pesquisa" da verdade no processo criminal declaradamente inquisitoriais, que consistem em desconsiderar, em nome da ordem pública, todas as barreiras colocadas entre o público e o privado na sociedade contemporânea. Dá-se ao juiz a prerrogativa do chamado "livre convencimento" pela qual ele pode, inclusive, discordar de fatos considerados incontroversos pelas partes, para apropriar-se da "verdade real" (Grinover, 1999).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim, não é sem razão que a cidadania, enquanto noção que garante a igualdade jurídica, política e social mínima vigente nas repúblicas contemporâneas, ainda encontra dificuldades quanto a sua realização no Brasil (Carvalho, 2001), em especial no que se refere a um de seus componentes originários, os direitos civis. E isto não é um fato irrelevante nesse contexto, pois os direitos civis, segundo Carvalho (2001:9), "(...) São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual."</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entretanto, a desigualdade de que falamos não está na lei e em práticas judiciais, sem que esteja estruturada na sociedade. Nosso Código de Processo Penal, nunca discutido ampla e democraticamente pelos cidadãos que a ele submetem sua liberdade, apenas expressa a cultura presente em nosso cotidiano, responsável pela banalização do que se convencionou chamar de práticas autoritárias — categoria apropriada para definir o abuso de poder em sociedades igualitárias — e que os antropólogos preferem denominar de hierárquicas, justamente porque não se constituem em abuso, mas em cumprimento de preceitos estruturais de desigualdade (DaMatta, 1979).</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Estas características emprestam ao espaço público — e à sua esfera pública, seu espaço normativo — no Brasil, certas peculiaridades (Cardoso de Oliveira, 2002), percebidas pelos operadores do sistema de justiça e segurança pública como características de nossa sociedade, que impõe a seu comportamento cotidiano a constante e inevitável negociação da aplicação particularizada de regras na esfera pública. Assim, aqueles que estão explicitamente inseridos como interlocutores no espaço público vêem como legítima a apropriação particularizada e individual das regras. Disso resulta o desprestígio da obediência literal à lei e a impossibilidade de sua aplicação coletiva e universal, igualmente a todos, como é usual na maioria das Repúblicas democráticas instituídas no Ocidente. No Brasil, a atualização de valores igualitários de modo coletivo e universal chega a ser identificada como injustiça, pois sobrepõe um sistema explicitamente igualitário (em formato de paralelepípedo) a um sistema implicitamente hierárquico (de feição piramidal), de tal modo que a convivência de ambos requer práticas e valores desiguais. A compensação do desequilíbrio decorrente das duas lógicas paradoxais é feita com o prestígio da autoridade interpretativa, sempre fluida e contextual, seja do síndico, seja do guarda de trânsito, do delegado, do promotor, do juiz, ou do governante: em suma, do inquisidor.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A conseqüência perversa desse sistema paradoxal é que, ao invés de enfatizar mecanismos de construção da ordem, enfatiza sistemas de manutenção da ordem, através de estratégias repressivas, em geral a cargo dos organismos policiais e judiciais, vistas como necessárias à administração deste paradoxo. Desse modo, as estratégias comumente usadas para a manutenção da ordem, ora são militares — fundadas nas técnicas de destruição do inimigo, a origem mais evidente da explicitação do conflito, visto como perigosamente desagregador (Silva, 2003) — ora são jurídicas, voltadas para a punição de infrações da ordem. Nenhuma delas, é claro, está adequada à construção e à manutenção de uma ordem pública democrática, que deve ser baseada na negociação pública e coletiva dos interesses divergentes de partes iguais.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Finalmente, nesse quadro, é possível compreender as agruras da internalização de uma idéia de Direitos Humanos e, mais ainda, de sua implementação como política pública. Os direitos, em nossa tradição, são sempre particularizados, e explica-se, assim, que cada categoria reivindique competitivamente os "seus" direitos humanos: das vítimas, dos policiais, dos agressores, etc., como se a "concessão" desses direitos a uns excluísse automaticamente os outros de fruí-los, como tem sido constantemente explicitado por nossos interlocutores, no campo.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</b></span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">BARBOSA, R. Oração aos Moços. Faculdade de Direito de São Paulo. <i>Obras Completas de Ruy Barbosa</i>. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1921. v.48, t.2. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">BOURDIEU, P. <i>A economia das trocas simbólicas</i>. São Paulo: Perspectiva, 1974. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">CARDOSO DE OLIVEIRA, L.R<i>. Direito Legal e Insulto Moral</i>. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">CARVALHO, J.M. de. <i>Cidadania no Brasil</i>: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">COGAN, A. <i>Prisão Especial</i>. São Paulo: Saraiva, 1996 [s.d.]. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">DAMATTA, R. Você sabe com quem está falando? In: <i>Carnavais, Malandros e Heróis</i>. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">FAORO, R. <i>Os donos do poder</i>. Rio de Janeiro: Globo, 1958. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">FOUCAULT, M. <i>A verdade e as formas jurídicas</i>. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">GARAPON, A. <i>Bien Juger</i>. Essai sur le rituel judiciaire. Paris: Odile Jacob, 1997. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">GRINOVER, A.P. A iniciativa instrutória do juiz no Processo Penal Acusatório. <i>Revista Brasileira de Ciências Criminais</i>. São Paulo, IBCCRIM, ano 7, n.27, p.71-79, jul./set. 1999. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">GOMES, L.G.; BARBOSA, L.; DRUMMOND, J.A. <i>O Brasil não é para principiantes</i>. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2000. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">KANT DE LIMA, R. <i>Carnavais, Malandros e Heróis:</i> o dilema brasileiro do espaço público. In: GOMES, L.G.; BARBOSA, L.; DRUMMOND, J.A. <i>O Brasil não é para principiantes</i>. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2000. p.105-124. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">________. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">________. Cultura Jurídica e Práticas Policiais: a tradição inquisitorial. <i>Revista Brasileira de Ciências Sociais</i>, v.10, n.4, p.65-84, jun. 1989. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">KANT DE LIMA, R.; AMORIM, M.S.; BURGOS, M.B. <i>Juizados Especiais Criminais, Sistema Judicial e Sociedade no Brasil</i>: ensaios interdisciplinares. Niterói: Intertexto, 2003. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">________. L'administration de la violence quotidienne au Brésil: l'expérience des tribunaux criminels spécialisés. Nanterre. L'Harmattan, <i>Droit et Cultures</i>, nº Hors de 'serie, n.3, p.199-228, 2001. (Numéro hors de serie). [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">MALATESTA, N.F. dei M. <i>A lógica das provas em matéria criminal</i>. Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho, 1911. 2v. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">MARSHALL, T.H. <i>Classe, cidadania e status</i>. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, J. <i>O processo criminal brasileiro</i>. 3. ed. aum. Rio de Janeiro: Typographia Baptista de Souza, 1920. 2v. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">NEVES, M. <i>A constitucionalização simbólica</i>. São Paulo: Acadêmica, 1994. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">SILVA, J. da. <i>Segurança pública e polícia</i>: criminologia crítica e aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]638p.</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">SILVA JARDIM, A. <i>Direito Processual Penal</i>. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">WEBER, M. Sociologia da Dominação. In: <i>Economia e Sociedade</i>. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. cap. IX, v.2. [ <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">Links</a> ]</span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: small;"><b>NOTAS</b></span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back1"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top1">1</a>. Provavelmente, o tradutor se refere ao <i>due process of law</i>, o chamado devido processo legal.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back2"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top2">2</a>. Maria Stella Amorim chamou-me a atenção para esse tipo de argumento que procura evadir ou desculpar o não cumprimento de direitos legislados. Nesse mesmo sentido, doutrinas, leis, interpretações, procedimentos incorporados à prática judiciária podem também constituir álibis que circulam em sistemas judiciários e que têm função de não permitir a explicitação de propósitos geralmente considerados negativos.</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back3"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top3">3</a>. Para compreender quão séria é esta questão da desigualdade jurídica, acaba-se de aprovar uma nova regulamentação da "prisão especial", denominação jurídica deste instituto. O Executivo, inicialmente motivado a extingui-la para impedir a aplicação de privilégios a um juiz que se encontrava respondendo a processo criminal, abandonou sua intenção inicial e o assunto — que é claramente inconstitucional — foi apenas regulamentado pelo Congresso, que aprovou a Lei nº 10.258, de 11/7/2001<i>,</i> em votação simbólica das lideranças, a qual incluiu uma nova categoria profissional — os militares em geral — no privilégio!</span></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back4"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top4">4</a>. No sistema inquisitorial sempre se desconfiava muito da confissão, pois ela era sempre vista como um meio de escapar de acusações maiores, pois nesse sistema as acusações não eram conhecidas: então, procurava-se confessar infrações menores para escapar de acusações mais sérias.</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back5"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top5">5</a>. Garapon (1997) também chama a atenção para essas diferenças na disposição espacial de tribunais dos Estados Unidos e da França.</span></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6771141858736375066" name="back6"></a><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext#top6">6</a>. Para uma discussão sobre os diferentes aspectos dos juizados especiais criminais, ver Kant de Lima et al. (2003).</span></span></div>
</div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">
</span></span><br />
<div align="left">
</div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">
<div class="spacer">
</div>
</span><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;"><b>ROBERTO KANT DE LIMA </b>é<b> </b>Professor da UFF, Pesquisador de produtividade do CNPq e da Faperj, pesquisador e um dos fundadores do InCT/ INEAC.</span></span><br />
<div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">Fonte:</span><a href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext">http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000100007&script=sci_arttext</a></span></div>
<div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Imagem:<a href="http://www.deviantart.com/"> www.deviantart.com/</a> </span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-5690903701460597762011-09-16T01:45:00.000-03:002011-09-16T01:45:04.994-03:00Dúvida?<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi1xGX9I_faDnb_hlk6z6H5c13SJx8mw_12wedNcx4aL1QbG_C04v0-3e-j5dqGfDWYmOPf6FCdLMr6eTV8PQh-tjg8eI0ABxe9SvywOkEoI2F6jddiiIYC_4tjQCgf0rRYX2cuMAUQsaC/s1600/Question-Day.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="314" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhi1xGX9I_faDnb_hlk6z6H5c13SJx8mw_12wedNcx4aL1QbG_C04v0-3e-j5dqGfDWYmOPf6FCdLMr6eTV8PQh-tjg8eI0ABxe9SvywOkEoI2F6jddiiIYC_4tjQCgf0rRYX2cuMAUQsaC/s320/Question-Day.jpg" width="320" /></a></div>
Está com Dúvida? Mande um e-mail:<br />
tulio90@hotmail.com<br />
<br />
ou<br />
<br />
monique.torres@live.comUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-46955529434091080472011-09-16T01:25:00.000-03:002011-09-16T01:25:13.063-03:00Bronislaw Malinowski<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/HzH57CtaULI?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />
Para aqueles que se interessaram sobre o antropólogo que marcou uma profunda mudança na Antropologia moderna.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-58993717077219129052011-09-15T00:19:00.000-03:002011-09-15T00:32:11.509-03:00Recursos São Parte da Cultura Jurídica do País<br />
<div style="text-align: right;">
<div style="text-align: left;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 18px;"><b><span style="font-size: 10pt;">BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA</span></b><span style="font-size: 10pt;"> </span></span></div>
</div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQlWX3D1PAOD_t1kLp5OEQJhtTJsf6aBCe_OChtMk5eZ5alJIKgeuKKWG2XhqslN4A0RmUZCp78H-UL2Xj1Y58bZVpHjTPUbxoWrey8GnXcuj63dPl5x-0A7JjuoO8CkeoUreu2PNsBMg7/s1600/pilha_de-papel_%2528processo%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="258" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQlWX3D1PAOD_t1kLp5OEQJhtTJsf6aBCe_OChtMk5eZ5alJIKgeuKKWG2XhqslN4A0RmUZCp78H-UL2Xj1Y58bZVpHjTPUbxoWrey8GnXcuj63dPl5x-0A7JjuoO8CkeoUreu2PNsBMg7/s320/pilha_de-papel_%2528processo%2529.jpg" width="320" /></a></span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span></span><br />
<div style="margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 10pt;"><br /></span></span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span></span><br />
<div style="margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-size: 12px; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 10pt;">É público e notório que, há muito tempo, o sistema recursal brasileiro vem sendo objeto de reflexão por todos nós, operadores e acadêmicos do Direito.</span></span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">E quando eu marco temporalmente a discussão, dizendo que o fazemos há muito tempo, o faço de forma proposital, exatamente para sinalizar que a quantidade de recursos previstos em nossos códigos processuais e a demora de seus julgamentos são preocupações muito anteriores à famosa discussão ensejada pela PEC dos Recursos.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Esta PEC foi idealizada pelo ministro Cezar Peluso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, e definida pelo próprio, no último dia 7 de junho, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, como sendo “uma revolução pacífica para melhorar a eficiência da Justiça brasileira contra um sistema jurisdicional perverso e ineficiente.”.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Segundo me parece, a PEC dos Recursos tem o objetivo explícito de permitir a execução imediata das decisões proferidas nos tribunais estaduais, em segundo grau de jurisdição, mas também tem outro objetivo, não tão explícito, mas tampouco implícito, que seria o de esvaziar as prateleiras abarrotadas dos tribunais superiores, restringindo a subida de recursos àquelas Cortes, como se hoje já não fosse extremamente difícil e árduo, mesmo sem a PEC, fazer um Recurso Especial ou um Recurso Extraordinário viajar dos estados (hoje virtualmente) até as Cortes Superiores, em Brasília.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Aliás, um parêntese inicial para dizer que, mesmo sem estatísticas rígidas sobre o tema, uma mera e rápida leitura dos Diários Oficiais dos Judiciários estaduais do país permitirá ver a enorme incidência de recursos inadmitidos pelas Vice-Presidências dos Tribunais do País, muito conhecidas, nos corredores forenses, como trancadoras oficiais de Recursos Especiais e Extraordinários, e famosas por proferirem decisões genéricas e abstratas nos mais diversos casos. Significando isto dizer que, talvez, a PEC dos Recursos esteja pretendendo resolver a quantidade de processos nas prateleiras erradas, já que as dos Tribunais Estaduais estão muito mais abarrotadas — e, mesmo com a PEC, continuarão muito mais abarrotadas — do que aquelas dos Tribunais Superiores.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Voltando à problemática central que me motivou a escrever sobre o tema, me parece consensual a necessidade de discutir o nosso sistema recursal e agora, mais do que nunca, devido à PEC, me parece obrigatório estender a discussão e fazê-lo de forma crítica e franca, explicitando todos os prós e contras que possamos, juntos, imaginar.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Nessa linha, tenho lido, diariamente, inúmeros e interessantes artigos opinativos acerca do tema. E, como de hábito, alguns se posicionando a favor e outros contra a PEC dos Recursos. E foi exatamente esta lógica, de ser a favor ou contra, que me motivou a pensar o tema recursal a partir de outro viés, tal como exponho neste pequeno texto reflexivo.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">O nosso sistema jurídico e judicial, pensado e reproduzido por via dogmática, está enraizado no contraditório de opiniões e de teses e está fundamentado em uma lógica que permite que sempre haja uma opinião diferente sobre o mesmo tema e que sempre haja uma forma diferente de se interpretar determinado dispositivo legal, a tal ponto de dizermos, desde os bancos das faculdades, em tom de brincadeira, mas com fundo de verdade, que “em Direito, a melhor resposta para qualquer pergunta é sempre: depende”.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Pois bem. Esta forma estruturante do sistema acaba por fomentar a crença, que tem correspondência empírica, de que sempre há uma possibilidade diferente de resolver determinado problema ou, processualmente falando, de que sempre há uma possibilidade diferente de o processo judicial acabar contra ou a favor dos interesses de cada parte.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">E, uma vez naturalizada esta lógica, a que isto pode levar?</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Isto pode levar ao que já nos trouxe até aqui: a uma prática judiciária e a uma atuação profissional que buscam, permanentemente, encontrar eco nesse caminho processual incessante de identificação de teses.</span></div>
</span></span><span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"><div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"><br /></span></div>
Melhor dizendo: notadamente os advogados (em sentido <i>lato</i>), que defendem interesses específicos nos processos e que têm um lado determinado na causa, acabam por internalizar essa lógica de que vale a pena tentar, até a última instância, encontrar alguém que interprete o direito de forma a acolher a sua tese, já que isso é sempre possível.</span><span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">E, sendo assim, interpor recursos nada mais é do que aderir a essa lógica e manifestar concordância com essa forma estruturante do sistema, que permite, sempre, múltiplas formas de interpretação da lei e, ao fazê-lo, curiosamente, não só particulariza, como, ao mesmo tempo, estende a possibilidade de, a partir de um caso particular, existir, no curso processual, alguém que se identifique com a tese sustentada e, acolhendo-a, “julgue procedente o pedido” ou, em outra instância, “dê provimento ao recurso”.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Ou seja, a possibilidade de sempre haver uma forma diferente de interpretar a lei e de se decidir no caso concreto acaba por incentivar uma atuação profissional insistente por parte daqueles que buscam direitos através dos processos, fazendo com que se estimulem a tentar encontrar eco no sistema de administração da justiça, ainda que, para tanto, seja necessário ir até a última instância processual, o STF.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Desse modo, me parece, muito claramente, que os cada vez mais desprezados recursos, ao contrário de vilões, são estruturantes do nosso sistema judicial e conformam a nossa lógica processual.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span><br />
<span style="font-size: 10pt;">Em um sistema cuja lógica estruturante permite uma extensa possibilidade de formas de interpretação da lei e de aplicação do direito é aconselhável que, diante da previsão de recursos, os atores, em seu múnus público, e por dever de ofício, façam uso deles da forma igualmente mais extensa possível, razão por que me chama a atenção não apenas o fato de se pretender restringi-los, como, principalmente, o de categorizá-los como protelatórios ou temerários.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0.1pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0.1pt; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span style="font-size: 10pt;">Em outros sistemas, pode ser que os recursos sejam prescindíveis, mas, no brasileiro, é aconselhável que pensemos que o seu extermínio, ou mesmo a sua restrição, se choca com uma lógica arraigada e constitutiva da nossa cultura jurídica e, portanto, não é tão fácil acabar com eles quanto a promulgação de uma PEC pode pretender fazer parecer ser.</span></div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
</div>
<div style="font-size: 12px; margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<b><span style="font-size: 10pt;">BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA</span></b><span style="font-size: 10pt;"> é advogada e doutoranda em Direito pela UGF-RJ.</span><br />
<span style="font-size: 10pt;"><br /></span></div>
</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 12px; line-height: 18px;"><br /></span></span><span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">Fonte: </span><span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 18px;"><a href="http://www.proppi.uff.br/ineac/recursos-sao-parte-da-cultura-juridica-do-pais">http://www.proppi.uff.br/ineac/recursos-sao-parte-da-cultura-juridica-do-pais</a></span><br />
<div>
<span class="Apple-style-span" style="color: #2e2f2d; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 12px; line-height: 18px;">Imagens Google: <a href="http://www.gloogle.com/">www.gloogle.com</a> </span></span><span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span><br />
<div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px; padding-bottom: 0px; padding-left: 0px; padding-right: 0px; padding-top: 0px;">
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><br /></span></span></span></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: #f8f8f8; color: #2e2f2d; line-height: 18px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">
</span></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-59511265378742025712011-09-13T23:35:00.000-03:002011-09-14T22:37:01.087-03:00Eventos PPGA-UFF<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjocKEcb-XCmgwtlfjnHNHG452z4a8vUmPfxqJ07uJFfspkSXDIKGg8mWKrWRGHrNbETwCwEoFq6c0bNAFw2pRryktLCeSbIA7BKDvu9rMGlV_LO_Pvfv2pNmz6eBNpQes9if2pJo8XeWQ5/s1600/Palestra+Leonardo+.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjocKEcb-XCmgwtlfjnHNHG452z4a8vUmPfxqJ07uJFfspkSXDIKGg8mWKrWRGHrNbETwCwEoFq6c0bNAFw2pRryktLCeSbIA7BKDvu9rMGlV_LO_Pvfv2pNmz6eBNpQes9if2pJo8XeWQ5/s640/Palestra+Leonardo+.jpg" width="451" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM-Bx4CuWmcSeevOk4Pe0woU_lLVygdSsr2Ichz6S4lPhqv-tzA4lMxA4ig-I77yW1FUwjQeX0KlBcXqTllL1zkTALh0S9RcpEvxthkuOpmy3zC7ebNQarXx8WRBtfGUYVJxrZcc0G-PBM/s1600/Palestra++Leticia+-+041011.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM-Bx4CuWmcSeevOk4Pe0woU_lLVygdSsr2Ichz6S4lPhqv-tzA4lMxA4ig-I77yW1FUwjQeX0KlBcXqTllL1zkTALh0S9RcpEvxthkuOpmy3zC7ebNQarXx8WRBtfGUYVJxrZcc0G-PBM/s640/Palestra++Leticia+-+041011.jpg" width="452" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7pf6ttJ28kpnCCLY5vLXyiUOc7idkqSOEdlBCPrODNg65yI1J7kfRdX9eMGVEi2JnOBoPGRmfXdJO7Ine2J42ve_xx578OPp3ord3j5ifH_AlTa0PGyH9sjDUDB1wzSXJSTZJ_brx8DWz/s1600/Palestra+Pedro+Heitor+-+211011.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7pf6ttJ28kpnCCLY5vLXyiUOc7idkqSOEdlBCPrODNg65yI1J7kfRdX9eMGVEi2JnOBoPGRmfXdJO7Ine2J42ve_xx578OPp3ord3j5ifH_AlTa0PGyH9sjDUDB1wzSXJSTZJ_brx8DWz/s640/Palestra+Pedro+Heitor+-+211011.jpg" width="451" /></a></div>
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6771141858736375066.post-15721307741464618882011-09-13T12:04:00.000-03:002011-09-15T00:30:06.945-03:00Dívida do Estado<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><strong>FABIO REIS MOTA </strong></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHfaum8D2EXUF5_DrOQIhFX8wMvps5UrX5sAXG4D6Ft5yH-CX1Csk8wTDlU1DSWYGQJnKgSQ774dJpgkOvwM0IvSF04OiAzkLFTpAY1Ian-GiGBwNUYMA-Oo0AzOYQ4Nf_QRHLVOhDhjMI/s1600/quilombolas_kalunga_cavalcante-2737-copy.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><img border="0" height="233" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHfaum8D2EXUF5_DrOQIhFX8wMvps5UrX5sAXG4D6Ft5yH-CX1Csk8wTDlU1DSWYGQJnKgSQ774dJpgkOvwM0IvSF04OiAzkLFTpAY1Ian-GiGBwNUYMA-Oo0AzOYQ4Nf_QRHLVOhDhjMI/s320/quilombolas_kalunga_cavalcante-2737-copy.jpg" width="320" /></span></a></div>
<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />A Constituição de 1988 reconheceu e indicou caminhos formais para a consolidação da democracia, promovendo uma inflexão na direção do exercício dos direitos de minorias que compõem nossa nação, como é o caso dos povos indígenas, e, de forma inédita, das populações tradicionais e das comunidades remanescentes de quilombos. Com a introdução do artigo 68 no ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) da Constituição, os remanescentes das comunidades de quilombos tornaram- se sujeitos de direitos, figurando como credores do Estado com relação à titulação como proprietários das terras que ocupam.<br /><br />Entretanto, mais de 20 anos após a sua promulgação, apenas uma comunidade remanescente de quilombos no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, teve seu direito à propriedade efetivado pelo governo federal. Nesse sentido, o Brasil tem avançado de forma tímida no reconhecimento de direitos de grupos historicamente excluídos do acesso aos direitos civis fundamentais (ser proprietário, contratar e dispor de si mesmo).<br /><br />O processo lento e gradual do fim da escravidão não resultou em benefícios aos ex-escravos. Ao contrário, a lei de 1850 inibiu e restringiu o acesso à propriedade por parte dos ex-escravos e dos imigrantes, estabelecendo mecanismos de tutela e de controle sobre eles. Mesmo nos casos em que as terras tinham sido doadas pelos antigos proprietários aos seus escravos, o ato de reconhecimento do direito à propriedade não obteve êxito.<br /><br />É o caso, por exemplo, dos quilombolas da Marambaia, cujas terras foram doadas pelo antigo proprietário da fazenda logo após o fim da escravidão. Todavia, o Estado tem negado sistematicamente o direito de propriedade ao grupo. As sucessivas (e malsucedidas) mudanças no direito agrário permitiram a falência dos mecanismos de registros das terras, sobretudo com a grilagem, que promove distorções sérias à regularização fundiária no Brasil.<br /><br />Ainda assim, as reivindicações dos quilombolas têm sido duramente criticadas por alguns setores da sociedade, sobretudo no que diz respeito aos critérios de definição do território e da identidade quilombola. A legitimidade dos quilombolas para agirem de forma autônoma e cidadã está frequentemente sob suspeição.<br /><br />Afinal, são submetidos à tutela dos agentes externos, concebidos como legítimos para reconhecer e classificar as suas identidades sociais e outorgar- lhes suas identidades públicas. Não é por acaso que os grupos que se opõem aos direitos quilombolas veem com desconfiança os critérios de definição dos territórios dos quilombos.<br /><br />Mas o artigo 68 se tornou um importante instrumento de regularização fundiária e dotou de visibilidade positiva as demandas de grupos estigmatizados e subalternos de nossa Res-Publica, cujas demandas de reconhecimento têm sido relegadas ao ostracismo Cabe salientar que o desenvolvimento social de uma nação não se mede apenas pelo seu PIB, mas pela capacidade que os gestores públicos têm de formular políticas públicas e dispositivos legais que permitam que modos diversos de reprodução econômica, social e cultural se expressem. Afinal, uma democracia vigorosa deve conferir legitimidade a outros sistemas econômicos e identitários no espaço público plural de um estado democrático de direito.<br /><br /><b>FABIO REIS MOTA</b> é professor da UFF e pesquisador do InCT/INEAC.</span><br />
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<span class="Apple-style-span" style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
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<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="background-color: white;">Fonte:</span><span class="Apple-style-span" style="color: blue;"><a href="http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=ultimas&dtlh=189553&iABA=Not%EDcias&exp=">http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=ultimas&dtlh=189553&iABA=Not%EDcias&exp=</a></span></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Imagens Google: <a href="http://www.google.com/">www.google.com/</a></span></div>
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